Fome atinge o sul do Sudão, onde folhas de árvores são a única comida disponível

A falta de comida obriga mães a escolherem o filho que irão alimentar. O número de pessoas com desnutrição vem aumentando e só nas duas primeiras semanas de maio, um centro de nutrição de MSF recebeu três vezes mais crianças do que nos anos anteriores

Com a falta de chuvas em 2004, a maioria da população do estado de Tonj, no sul do Sudão, não tem absolutamente nada para comer. A colheita fraca do sorgo – tipo de cereal – foi toda consumida há muito tempo, por isso, nos últimos meses, as pessoas estão sendo obrigadas a comer folhas de árvores ou um tipo de castanha que provoca diarréia.

"Chegamos a um ponto onde as mães têm que escolher entre os filhos que irão alimentar, já que não têm comida suficiente para todos", explica o coordenador de saúde da equipe de MSF na região, Patrick Murphy. "Esta é uma escolha terrível para qualquer mãe".

O pior ainda está por vir

O pior período nem sequer começou e 20% dos moradores já estão com desnutrição moderada, de acordo com um levantamento nutricional realizado recentemente por MSF. As chuvas estão novamente atrasadas, anunciando que a próxima colheita, que deve acontecer em setembro, será bastante prejudicada.

O centro hospitalar terapêutico está cheio, atualmente, com 120 crianças com menos de cinco anos de idade.

"Mas apenas estamos vendo a ponta do iceberg", continua Patrick Murphy. "Para cada criança que está aqui, devem haver outras 20 na mesma situação mas que ainda não pudemos chegar até elas".

Uma das principais razões para este índice ainda desconhecido é o acesso. A geografia da região limita a capacidade de MSF de chegar às pessoas e das pessoas virem até MSF.

O estado de Tonj se parece com grande parte do sul do Sudão, um modelo do subdesenvolvimento. Infra-estruturas como facilidades básicas de saúde, estradas e escolas são raras. Duas décadas de guerra resultaram nisso. Para percorrer poucos quilômetros do hospital de MSF, na principal cidade de Marial Lou, para os centro de nutrição, em Paliang, leva uma hora numa paisagem árida pontuada apenas por algumas cabanas e pedaços de árvores secas.

MSF vem mantendo o hospital em Marial Lou desde 1997 e já estabeleceu cinco centros de nutrição em resposta aos dramáticos índices de desnutrição. Os centros oferecem alimentos para as pessoas com desnutrição moderada, e refere os casos mais graves para um centro terapêutico situado no próprio hospital.

O sul do Sudão conhece bem o significado da palavra fome. Em 1998, mais de 60 mil pessoas morreram de fome. Embora em 2005 este nível não deva ser tão elevado, a fome está devastando e as primeiras vítimas são as crianças mais jovens.

"Os bebês desnutridos têm olhos afundados e cabelos finos e sem cor", explica Desma Anindo, uma enfermeira do centro de nutrição de MSF. "Eles parecem pessoas velhas".

Anindo administra o centro onde as crianças são pesadas e medidas para checar as suas condições nutricionais, oferecendo suplementos quando necessário. E quase sempre é.

Uma longa fila de mulheres e seus filhos, todos muito fracos de tanta fome, espera para ser atendida. Muitas delas tiveram que andar quilômetros em busca de alimentos. Uma criança deitada nua na poeira mal consegue se mover. Outra mãe aperta seu bebê contra seu seio vazio, mostrando à equipe de MSF que ela já não tem mais leite. Seu corpo está fraco demais para produzir leite.

"A situação é muito ruim", diz Anindo. "A morte é uma questão de dias, não de meses".

Mas, uma vez dentro do centro de nutrição terapêutica em Marial Lou, a recuperação das criança severamente desnutridas não é um milagre. "Em uma semana elas deixam de estar a beira da morte para se portarem novamente como crianças saudáveis", explica Patrick Murphy.

Gado: motivo de violência

Há pouco pasto para o gado que é tão precioso quanto a própria vida no sul do Sudão. O gado é a alma do país, e serve como moeda, assim como uma fonte importante de nutrição. Agora eles estão morrendo ou estão esqueléticos, incapazes de produzir leite.

O gado é a raiz da violência que está tornando a situação ainda pior. Com a falta da chuva aumentando a pressão sobre o pasto já escasso, conflitos vêm ocorrendo entre os dois principais grupos étnicos no sul do Sudão – o Dinka e o Nuer.

O roubo de gado também vem crescendo, piorando ainda mais a situação vulnerável dos habitantes de Tonj. A violência não está limitada apenas aos grupos Dinka e Nuer. Cerca de três horas de carro ao norte de Marial Lou, conflitos vêm ocorrendo com freqüência entre duas clãs do Dinka, o Aliek e o Langkap.

Diante de um estado fragmentado incapaz de intervir, a violência vem aumentando, forçando as pessoas a fugirem para o sul em direção às regiões já empobrecidas em torno de Marial Lou. A violência vem fechando inclusive áreas de pesca e campos de pasto, tornando ainda maior a crise.

"As pessoas aqui estão desesperadas", explica Patrick Murphy. "Elas precisam de comida urgentemente ou então muito mais gente vai morrer".

Muitas promessas, mas nada até agora

No momento, apesar das muitas promessas feitas pela comunidade internacional, nenhuma assistência parece estar chegando.

Na província do Alto Nilo a situação é um pouco melhor. Novamente, a falta de chuva combinada à violência contínua está deixando milhares de pessoas famintas na região. Na cidade de Leer, onde MSF administra um outro centro de nutrição terapêutica, 80 crianças foram admitidas nas duas primeiras semanas de maio. Quase três vezes mais do que o número correspondente ao mesmo período de 2003 e 2004.

"Estamos na expectativa de que a situação piore nos próximos meses", explica o Coordenador Geral de MSF na região, Tom Roth.

A paz "oficial" no sul do Sudão mal está mudando a vida das pessoas que já sofreram tanto durante os vinte anos de guerra.

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