Filipinas: deslocamento e necessidades médicas em Iligan

Responsável por resposta a emergências de MSF no país fala sobre as difíceis condições enfrentadas por milhares de famílias deslocadas

Filipinas: deslocamento e necessidades médicas em Iligan

A primeira surpresa foi o enorme tamanho do ataque feito por combatentes pró-Estado Islâmico na cidade de Marawi.

A crise – com 360 mil pessoas deslocadas e combates intensos completando seu quinto mês – é igualmente inédita e está deixando a região de Minindao, nas Filipinas, com novas e duradouras necessidades humanitárias.

Como gerente de apoio de respostas a emergências de Médicos Sem Fronteiras (MSF), sempre tive contato com a dinâmica do conflito em Minindao – mesmo após um acordo de paz ser assinado com a Frente Moro de Liberação Islâmica em 2014, depois de mais de 50 anos de guerra civil. Desde então, vez ou outra líamos relatos de outros grupos armados fazendo contato com o grupo autoproclamado Estado Islâmico, mas isso era mais uma espécie de preocupação abstrata.

Desde que viajei a Minindao para iniciar uma resposta de emergência, muitos residentes locais me diziam o mesmo. Poucas pessoas imaginavam uma tomada de poder tão repentina de uma cidade grande por parte de centenas de combatentes já integrados à região, com quantidades de armas e suprimentos que podem durar meses. E, conforme o exército continua a desalojar rebeldes, tampouco esperávamos que nas ruínas de Marawi fossemos encontrar corpos de combatentes e militantes vindos da Chechênia, Malásia, Singapura e do Iêmen (de acordo com autoridades).

Das centenas de milhares de pessoas que escaparam do combate, apenas uma a cada dez está vivendo nos campos de evacuação mantidos pelo governo.

Atualmente, apoiamos milhares de pessoas que fugiram para a cidade de Iligan, a cerca de 30 quilômetros ao norte de Marawi. Algumas estão ficando nas casas de familiares ou amigos; outras, em armazéns, garagens, escolas e mesquitas. Uma casa que visitei abrigava 80 parentes. Apesar de suas necessidades médicas não serem agudas, essas pessoas têm outras necessidades: como são pessoas evacuadas, passaram a ser deslocadas internas, se ajustando ao fato de que sua volta para casa está mais distante do que qualquer um de nós imaginava.

Em uma das comunidades em que trabalhamos, cerca de 120 famílias vivem em uma escola abandonada. Elas se apertam em salas de aula sem qualquer privacidade ou eletricidade, o que torna a noite um horário especialmente difícil. Todas essas pessoas estavam coletando água de uma mangueira de jardim conectada aos canos do vizinho. Muitas compraram garrafas de água enquanto puderam pagar por elas.

Em outro local, chegamos a um grupo de 17 famílias que vivem em uma garagem – dormindo em caminhões. Quando o cenário permite, há moradias improvisadas mais organizadas: em uma área, encontramos uma escola disposta a fazer de tudo para atender às necessidades de cerca de 200 famílias. Porém, mesmo ali, os desafios eram grandes– especialmente as condições de água e saneamento.

A primeira parte da resposta de MSF consiste em garantir que as pessoas tenham acesso gratuito a água limpa. Distribuímos galões e tabletes purificadores de água, consertamos canos e sanitários, instalamos duchas e construímos reservatórios para que as comunidades possam armazenar sua água.

Nossa outra prioridade é o apoio à saúde mental. Quando as pessoas fugiram pela primeira vez, estavam preocupadas com suas necessidades imediatas – água, alimento e o futuro das crianças. Agora, todos estão melhor instalados e se ajustando à situação que está fora de seu controle. Nós, conselheiros, tentamos mantê-los concentrados nas partes que eles podem controlar: suas finanças, seus laços familiares e a vida nessa comunidade recém-descoberta e temporária – ainda que por tempo prolongado.

MSF também organiza atividades psicossociais para as crianças. Pode ser perturbador vê-las brincando e imitando os soldados. O estresse vivido pelos pais também pode afetá-las: nossas equipes organizam um jogo de terapia, a fim de fazer com que elas se sintam crianças novamente. Também conduzimos sessões individuais de terapia para adultos e crianças que precisam. 

As sessões de aconselhamento e a distribuição de água só chegaram a essas comunidades até agora, e, enquanto Marawi está de fora das notícias internacionais, as necessidades das pessoas internamente deslocadas vão perdurar e aumentar. Como é esperado em uma situação tão flutuante, a resposta humanitária coletiva é desigual de uma região para outra e algumas áreas ainda são difíceis de acessar. Apesar de autoridades e ONGs estarem atuando, nenhum de nós esperava estar aqui por tanto tempo. Tudo o que podemos fazer é manter nossas equipes trabalhando nas comunidades e torcer para chegar a novos locais quando a situação de segurança melhorar.
 

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