Falta de acesso a serviços de saúde materna coloca mulheres refugiadas em risco na Malásia

Refugiadas e solicitantes de asilo enfrentam barreiras legais e financeiras para receber assistência médica durante a gravidez, o que resulta em alta taxa de mortalidade materna.

Foto: Kit Chan/MSF

As mulheres grávidas de comunidades de refugiados na Malásia têm acesso limitado a serviços de saúde materna adequados, como cuidados pré-natais e pós-natais, profissionais qualificados para assistir aos partos, cuidados obstétricos de emergência e serviços de planejamento familiar. Isso resulta em uma alta taxa de mortalidade materna entre as refugiadas.

De acordo com um estudo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur)*, em 2019, a taxa de mortalidade materna entre a população refugiada na Malásia foi estimada em 62 por 100 mil nascidos vivos, o que é significativamente maior do que a média nacional de 36 por 100 mil nascidos vivos.

O mesmo levantamento também demonstrou que as principais causas de mortalidade materna entre as mulheres refugiadas na Malásia foram hemorragia pós-parto e distúrbios hipertensivos. Em relação a isso, não há dados atualizados disponíveis desde 2019 e, pelo que testemunhamos em nossas clínicas, não há razão para acreditar que a situação tenha melhorado para essas mulheres.

Falta de status legal limita acesso a cuidados de saúde

A Malásia não é signatária da Convenção sobre Refugiados de 1951 e não possui leis nacionais que reconheçam e protejam os refugiados. Isso significa que os refugiados não possuem status legal no país, o que limita acesso a cuidados de saúde, trabalho e educação.

Os refugiados registrados no Acnur da Malásia têm direito a um desconto de 50% para estrangeiros nos serviços públicos de saúde, mas ainda assim a maioria não tem condições de pagar a taxa.

O acesso a instalações de saúde privadas custaria a uma refugiada entre 100 e 500 ringgits malaios (cerca de R$115 e R$570) para exames pré-natais ou pós-natais, enquanto partos e cuidados obstétricos de emergência podem custar milhares de ringgits em instalações públicas e privadas.

Nur **, uma mulher rohingya que é refugiada na Malásia e está esperando seu segundo filho, contou que não podia pagar por cuidados de saúde materna em uma unidade de saúde privada ou pública, pois eram muito caros.

“Com a renda do meu marido, mal cobrimos as despesas de aluguel e familiares. Se marcássemos um check-up pré-natal em uma clínica privada, poderíamos gastar até 600 ringgits (cerca de R$ 685)”, disse ela.

Ameaças de prisão e detenção durante procura por cuidados de saúde

Além do alto custo, a Circular 10/2001 do Ministério da Saúde do país exige que os prestadores de cuidados de saúde denunciem aos serviços de migração e à polícia os migrantes indocumentados, incluindo refugiados e solicitantes de asilo. Portanto, os refugiados que não possuem documentação da Acnur correm o risco de ameaças de prisão e detenção ao procurar tratamento em instalações médicas públicas, especialmente quando não conseguem pagar taxas médicas, resultando em medo e desconfiança da equipe de saúde pública.

Outros obstáculos que as refugiadas enfrentam no acesso aos cuidados de saúde materna são a falta de conscientização sobre a saúde e a barreira linguística, que impede que muitas mulheres grávidas busquem os serviços médicos adequados, até um estágio avançado da gravidez ou durante toda a gestação.

Foto: Kit Chan/MSF

Mulher Rohingya grávida de seis meses é examinada pela enfermeira de triagem, Izyan, na clínica de MSF em Butterworth, Penang, como parte de seu primeiro check-up médico pré-natal. Foto: Kit Chan/MSF

Para atender às necessidades de refugiados e solicitantes de asilo na Malásia, Médicos Sem Fronteiras (MSF) está oferecendo serviços de saúde primária e mental gratuitos por meio de uma instalação em Butterworth, clínicas móveis em Penang e atividades em centros de detenção de imigrantes.

Apoio de MSF a refugiados na Malásia

MSF encaminha pacientes para cuidados de saúde secundários e terciários e apoia um número crescente de sobreviventes de violência sexual e de gênero, incluindo pessoas afetadas pelo contrabando humano, tanto mulheres quanto homens. Em 2022, a equipe de MSF na Malásia realizou um total de 4.081 consultas de saúde sexual e reprodutiva, incluindo pré-natal, cuidados pós-natais e planejamento familiar, em sua clínica em Penang.

A equipe de MSF também encaminha pacientes refugiados não registrados com necessidades médicas ou de proteção elevadas ao Acnur para registro rápido, com o objetivo de facilitar o acesso aos cuidados de saúde.

“O número de consultas de saúde sexual e reprodutiva realizadas pela equipe da clínica de MSF dobrou de 200 consultas por mês no início de 2022 para cerca de 500 consultas mensais até o final do ano”, diz Dirk van der Tak, coordenador-geral de MSF na Malásia.

“Isso pode ser uma indicação de uma maior conscientização sobre os serviços de saúde sexual e reprodutiva oferecidos por MSF entre as mulheres refugiadas, mas também pode significar que a necessidade de acesso a serviços de saúde materna adequados para as mulheres refugiadas continua a aumentar.”

Serviços de saúde devem ser mais inclusivos para os refugiados

“Ainda vemos em nossas clínicas um grande número de consultas tardias para gestações já em estágio avançado. Além disso, no primeiro trimestre de 2023, cerca de 15% de nossas consultas estavam relacionadas à gravidez na adolescência, o que continua a ser uma preocupação, pois as mães adolescentes correm maior risco de complicações, como eclâmpsia (pressão alta com risco de morte na gestação), anemia ou aumento da probabilidade de resultados adversos, como parto prematuro ou a morte do bebê após a vigésima semana de gravidez. Sabemos que o número de meninas que vemos na clínica é provavelmente apenas uma fração das que precisam de serviços [médicos]”, diz Dirk van der Tak.

Embora o número de consultas pré-natais tenha aumentado nas clínicas de MSF, esse é apenas um pequeno número de mulheres que acessaram aos serviços dos quais precisam, em comparação com as necessidades gerais de saúde reprodutiva de todos os refugiados no país.

“De acordo com dados do final de janeiro de 2023, há 183.790 refugiados e solicitantes de asilo registrados no Acnur na Malásia, sendo 34% mulheres. Muitas outras refugiadas na comunidade estão lutando para ter acesso a cuidados básicos de saúde. Os serviços devem ser mais inclusivos para elas para garantir que tenham acesso a cuidados de saúde maternos seguros, adequados e acessíveis”, acrescenta Dirk van der Tak.

* Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) intitulado “Saúde Materna entre Refugiadas e Solicitantes de Asilo na Malásia: uma Avaliação de Políticas, Serviços e Barreiras”. O relatório foi publicado em junho de 2020.

** O nome da paciente foi alterado para proteger a identidade

Médicos Sem Fronteiras (MSF) oferece cuidados de saúde primária, serviços de saúde mental e resposta à violência sexual e de gênero para refugiados e solicitantes de asilo na Malásia desde 2015. Em 2018, MSF estabeleceu uma clínica fixa em Butterworth, que atualmente atende entre cerca de 900 e mil pacientes por mês.

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