“Eu não esperava viver um dos períodos mais incríveis da minha vida no Paquistão”

Promotora de Saúde de MSF atuou por dez meses nas cidades de Timergara e Karachi

“Eu não esperava viver um dos períodos mais incríveis da minha vida no Paquistão”

Seinn Seinn Min é uma promotora de saúde de MSF que esteve recentemente trabalhando em nossa equipe no Paquistão. No relato abaixo, ela compartilha sua experiência e deixa claro que se sentiu em casa nos dez meses em que esteve em Islamabad e Karachi. Atualmente, cumpre quarentena após retornar a Mianmar.

“Estou escrevendo de Mianmar, dentro do quarto de hotel que me foi designado para realizar a quarentena.

Devido à pandemia de COVID-19, todo cidadão que retorna do exterior tem que passar por três semanas de quarentena obrigatória em um hotel e uma semana de quarentena em casa.

Os dias em quarentena tendem a ser confusos. Você esquece que horas são ou em que dia da semana está. Com o passar dos dias (junto com incontáveis ​​entregas de comida e dormir demais), comecei a me lembrar do meu trabalho por dez meses no Paquistão.

Pensar nesses tempos e na equipe representa um grande sorriso no meu rosto. Foi um período tão extraordinário, embora emocional. Este relato é meu presente para amigos e familiares que estão curiosos para saber como é viver no Paquistão e para futuros profissionais de MSF que trabalharão no país pela primeira vez.

Vamos começar com o histórico das duas cidades em que trabalhei como promotora da saúde.

Islamabad

Minha posição se chamava “Gerente de Promoção da Saúde Móvel”, o que significa que eu tinha que me movimentar entre dois projetos diferentes, em Timergara e Karachi.

Nos primeiros dois meses, trabalhei no escritório de coordenação de MSF em Islamabad. De lá, passei ao suporte remoto para a equipe de promoção da saúde no projeto de saúde materno-infantil em Timeragara, no norte do Paquistão.

Em Islamabad, o aglomerado de edifícios é dividido em zonas. Entre os edifícios, árvores estão espalhadas por toda a cidade, tornando-a a mais verde do país.

Cheguei em setembro, o tempo estava muito confortável e relaxante. Nos fins de semana, eu fazia caminhadas com os colegas ou estava ocupada explorando o parque F-9, onde me sentava e gostava de ver as pessoas jogando críquete. No entanto, sendo Islamabad uma nova capital e cidade administrativa, muitos de meus colegas continuam dizendo que não é tão movimentada quanto Karachi.

Karachi

Karachi é a maior cidade do Paquistão e era a capital antes de Islamabad. Não fiquei muito impressionada após a chegada, apesar de existir riquixás, bicicletas, camelos, burros, ônibus e caminhões nas ruas. Tudo era congestionado, barulhento, movimentado e sempre crescente em Karachi.

Não pude deixar de comparar com o ambiente calmo de Islamabad, com árvores verdes e montanhas. Mas eu não esperava que oito meses em Karachi se tornassem um dos períodos mais incríveis da minha vida.

Colônia Machar

A Colônia Machar é um assentamento informal em Karachi, lar de algo entre 120 mil a 150 mil de migrantes e refugiados. Os residentes são diversos, incluindo bengalis, birmaneses e pashtos.

MSF tem um projeto de hepatite C no assentamento, promovendo um modelo integrado e descentralizado de atendimento, oferecendo rastreamento, diagnóstico e tratamento.

Chegando à Colônia Machar, vi carroças puxadas a burro usadas para transportar água e outros produtos.

Uma calorosa recepção

Todas as manhãs, ficava ansiosa para passar por uma rua onde geralmente era saudada por um cha cha amigável (isso significa “tio” em urdu). Muitas vezes, ele acenava e sorria para nós de sua casa.

As crianças brincando nas proximidades também nos cumprimentavam todas as manhãs com um coro de olás, como vai você? qual é o seu nome? Eles nunca se lembravam dos nossos nomes e nos cumprimentavam da mesma forma todas as manhãs, mesmo assim adorávamos.

A melhor parte era quando as crianças se reuniam em torno de nós e tentavam apertar nossas mãos. Perdemos esse ritual matinal após o início da pandemia.

A hospitalidade das pessoas foi incrível e muitos dos funcionários de MSF no projeto são da comunidade local. Recebemos inúmeros convites para casamentos e outras reuniões sociais, e estar na comunidade nos permitiu ver a beleza de tirar o fôlego da cultura do Paquistão.

Inspiração e frustração

Em um dia normal, trabalhei em várias estratégias com a equipe de promoção da saúde. Eu me encontrei com grupos vulneráveis ​​que são mais propensos a contrair hepatite C e transmiti-la dentro da comunidade.

Tive conversas com barbeiros, esteticistas, pescadores, parteiras tradicionais e dentistas locais sobre suas práticas e crenças. Essas entrevistas foram educacionais e me inspiraram a desenvolver melhores estratégias para fornecer os serviços de que as pessoas mais precisavam.

No entanto, não estou imune a alguns dias ruins.

Em alguns dias, a frustração me dominava. Lembro-me de ter lutado para encontrar a melhor forma de implementar ações de promoção da saúde e integrá-las com a estratégia “Dobrando a Curva”. Esta última visa reduzir a prevalência da hepatite C na Colônia Machar a um nível mínimo em três anos, uma estratégia que vem sendo realizada com organizações parceiras.

Mas mesmo quando as coisas pareciam difíceis, havia um dia específico a cada mês que eu esperava especialmente. Era o dia do acampamento ativo de triagem de busca de casos.

De fábricas de peixes a campos de futebol

Em cada um desses dias, montávamos acampamento em um lugar diferente na Colônia Machar. Montar acampamento foi uma aventura em si. O local pode ser uma fábrica de peixes, uma dera (área de encontro da cultura do Paquistão), uma casa de líderes comunitários, campos de futebol, escolas…

Apenas a preparação para o acampamento não foi uma tarefa fácil, pois demorou uma semana para organizar com a equipe de logística e coordenar com os líderes comunitários.

Ao longo do dia, convidávamos a população local para fazer o teste de hepatite C por meio de um teste de diagnóstico rápido (RDT).

Como dirigir um campo de triagem

O layout do acampamento incluiu mesa de registro, área de espera, mesa de teste e área de aconselhamento que acomodava homens e mulheres, separadamente.

Cada pessoa chegava e se registrava, antes de ir para a mesa do laboratório para fazer o teste. Em apenas 5-10 minutos, eles obtinham seus resultados e, posteriormente, recebiam aconselhamento com base no fato de terem tido um teste positivo ou negativo.

As pessoas tiveram privacidade durante o aconselhamento e estrito sigilo foi respeitado em relação aos seus resultados.

Meu trabalho era supervisionar todas essas atividades. Isso significava verificar se as pessoas recebiam aconselhamento confidencial de qualidade; que a equipe seguiu as regras de prevenção e controle de infecção (ou seja, descartar os curativos corretamente após o exame de sangue); que as mesas e cadeiras alugadas estivessem limpas; que a área de espera não estivesse muito congestionada…

Homens, mulheres e adolescentes

Em um único dia, nossa equipe tinha como objetivo testar de 300 a 350 pessoas com 12 anos ou mais. Essa faixa etária se deu simplesmente porque o regime de tratamento só é adequado para pessoas com 12 anos ou mais.

Para adolescentes de 12 a 18 anos, um formulário de consentimento assinado por um adulto da família é necessário antes de serem testados.

O fluxo de pessoas no lado masculino do acampamento era geralmente estável, mas no lado feminino era imprevisível. Culturalmente, é difícil para as mulheres irem sozinhas para fazer o teste. Isso significava que, às vezes, elas se reuniam com amigos e vizinhos, às vezes com seus filhos. Tudo isso afeta diretamente o número de mulheres que podem fazer o teste.

Normalmente, eu ficaria do lado das mulheres e o supervisor de promoção de saúde do lado masculino para garantir que estávamos trabalhando da maneira que fosse culturalmente apropriada.

Sorrisos que aquecem o coração

Quando o fluxo de pacientes estava baixo e eu não tinha muitas coisas para supervisionar, me sentava e falava com as mulheres na sala de espera com meu urdu de nível iniciante.

Às vezes, era muito engraçado, pois algumas mulheres pashtun me ouviam em urdu e respondiam em pashto. Meus colegas ficavam olhando para nós e rindo.

Meu urdu é muito limitado, mas fiz alguns esforços e um pequeno curso que me deu a chance de participar de uma conversa básica. A comunicação direta com as pessoas da comunidade foi o destaque do meu trabalho. Foi comovente ver seus sorrisos e entender um pouco do que eles estão dizendo sem precisar de tradutor.

Conhecimento local

Ao final do dia de triagem, a equipe de promoção da saúde também ficou responsável por vincular os pacientes ao atendimento.

Um problema comum que eles enfrentaram foram os pacientes que tiveram um resultado positivo no teste rápido, mas que não foram para o teste confirmatório na clínica.

Nesses casos, a equipe de promoção da saúde teria que fazer o acompanhamento. Mas em uma favela, mesmo tendo detalhes do contato é difícil a localização das pessoas.

Não há números de casa, não há números de rua específicos e as pessoas às vezes fornecem pontos de referência ou o nome do pai ou do marido em vez de um endereço exato.

Não era incomum ouvir alguém dizer “perto da mesquita” ou “perto da casa de chá” como seu endereço. Assim, era importante que o rastreador de pacientes da equipe de promoção de saúde estivesse familiarizado com a comunidade.

Foi uma decisão estratégica, e uma bênção, escolher membros da equipe de promoção de saúde vindos da comunidade, pois eles facilitam a realização de atividades de extensão.

Minha equipe mostrou tanta motivação e comprometimento e todo o agradecimento é pouco pela forma como fizeram me sentir em casa enquanto estive no Paquistão.

Nunca diga adeus

Receio que, se não escrever, não vou lembrar o quanto gostei da minha primeira designação de MSF no Paquistão. Foi um momento agridoce deixar minha equipe sabendo que eu nunca poderia vê-los novamente.

Mas estando em MSF, nunca dizemos adeus, dizemos “até breve …”

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