“Este é um bebê precioso”

A história de um nascimento em Quetta, no Paquistão, contada pela pediatra Aisling

"Este é um bebê precioso"

Recebo uma ligação de uma das obstetrizes do nosso centro comunitário. Ela quer trazer um bebê para o nosso berçário. Ele nasceu hoje, em casa.

A avó relata que ele estava de cabeça para baixo e o parto foi difícil – o corpo saiu primeiro, mas a cabeça ficou presa. Quando finalmente o tiraram, ele não chorou. Ele não se mexeu.

Então, eles o trouxeram para o nosso centro de saúde materno-infantil. Ele não parece bem, a obstetriz me diz. E vai ser difícil conseguir alimentá-lo.

Eu digo a ela que vou preparar um berço para ele e peço que ela tente mantê-lo aquecido durante a transferência.

Quando ele chega, é como eu esperava. Pálido e flexível. Ele não está se mexendo. Seus reflexos primatas mal estão presentes.

Este é um caso de encefalopatia isquêmica hipóxica – dano cerebral causado pela privação de oxigênio no momento do parto. Eu já vi muitos deles aqui no Baluchistão, onde os partos em domicílio são a norma e as mães raramente recebem atendimento pré-natal.

Não há como curar o dano causado.

Só podemos oferecer um tratamento de apoio. As melhorias são imprevisíveis e acontecem lentamente, com o tempo.

O médico e eu sentamos com a mãe dele e explicamos o que aconteceu. Ela assente com a cabeça, mas parece não estar processando nada.

Pegamos algo para ela comer e beber e aconselhamos que descanse no quarto para as mães, ao lado do berçário.

Checo os bebês do berçário mais tarde, à noite, naquele mesmo dia. Eu vejo uma senhora mais velha em pé em cima da cama do nosso novo paciente, murmurando orações em voz baixa. Quando me aproximo, ela agarra meu braço e começa a falar comigo. Eu gesticulo que não consigo entender o que ela diz – espere, espere…

Um paramédico chega para ajudar com a tradução. Este é um bebê precioso, ele me diz. Eles esperam há quatro anos por ele. Ela quer saber se ele vai ficar bem.

Olho para o corpo imóvel do bebê e meu coração afunda. Explico gentilmente o que aconteceu e qual pode ser o resultado. Eu tento medir as expectativas, mas ainda dou esperanças a ela.

Os olhos da avó brilham quando minhas palavras são traduzidas. Gostaria que tivesse algo que eu pudesse fazer ou dizer para melhorar isso. Mas não tem. Então, eu coloco as mãos sobre seus ombros e pego uma cadeira para ela, para que ela possa se sentar ao lado do neto e segurar a mão dele.

Como esperado, o bebê começa a ter convulsões no dia seguinte. Nós controlamos com medicação. Depois o alimentamos com um tubo e lhe damos oxigênio.

Na rodada diária, lembro aos médicos que eles devem examiná-lo com muito cuidado todos os dias – olhando como está reagindo, seus movimentos, seus reflexos. Dessa forma, podemos observar pequenas melhorias.

Ele melhora gradualmente.

Começa a mover os braços e as pernas. Seus olhos se abrem e ele reage mais. E embora não possa sugar tanto quanto a maioria dos bebês, faz esforços heroicos.

Ensinamos a mãe a extrair o leite materno e usá-lo para alimentar seu filho com um copo e uma colher. Sua família se alegra a cada pequeno passo e agradece todo apoio que damos.

Quando estamos satisfeitos sobre a quantidade de leite que o bebê está recebendo com a alimentação com a colher e sobre seu aumento de peso, começamos a planejar a alta para casa. Sua família foi bem aconselhada e entende que seu precioso filho pode não andar e conversar como outras crianças.

Também discutimos com eles a importância de dar à luz futuros bebês em hospitais e ser acompanhados de perto durante o período de gravidez.

À medida que seu dia de alta se aproxima, me preocupo com o que o futuro reserva para este pequeno. Me entristece pensar que ele não terá o mesmo suporte e serviços que outro bebê nascido em casa. Mas, no dia de sua alta, vejo que não preciso me preocupar. É evidente que esse menino é amado e sempre será bem cuidado.

Muitos familiares chegam para acompanhá-lo até em casa. Eles lotam o corredor do lado de fora do quarto, esperando o menino emergir nos braços de sua mãe. Eles se amontoam quando os dois saem, cercando de maneira protetora mãe e filho enquanto descem as escadas em direção à saída até os tuk-tuks (espécie de táxi) coloridos, esperando por eles do lado de fora do portão do hospital.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print