Esforços para ampliar o acesso do tratamento contra aids não estão no caminho certo

Apesar da OMS afirmar que está cumprindo o plano da organização de ter três milhões de portadores do HIV/aids em tratamento até 2005, apenas 700 mil têm acesso hoje aos anti-retrovirais.Isto representa apenas 12% das pessoas que precisam dos medicamentos

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou os resultados do programa '3 by 5' – programa que pretende ampliar o acesso do tratamento contra a aids para 3 milhões de pacientes até 2005 – durante o Fórum Mundial Econômico, realizado em Davos, mostrando-se satisfeita com os progressos obtidos na luta contra o HIV/aids. No entanto, apenas 700 mil ou 12% das quase seis milhões de pessoas que precisam de anti-retrovirais nos países em desenvolvimento têm acesso aos medicamentos que controlam a doença.

Olhando esses números, Médicos Sem Fronteiras (MSF), que oferece anti-retrovirais para mais de 25 mil pacientes em 27 países, conclui exatamente o oposto da OMS.

Ao invés de celebrar, a OMS, a UNAIDS, o Fundo Global, o Plano de Emergência dos EUA para o Combate ao HIV/aids – PEPFAR- e outras instituições, deveriam estar soando o alarme.

Todos os dias, mais de oito mil pessoas morrem de aids e todo os anos outras cinco milhões de pessoas se infectam com o HIV. Desde julho de 2004, apenas 260 mil novos pacientes se beneficiaram do tratamento com anti-retrovirais em países em desenvolvimento. A ampliação do tratamento está caminhando a passos lentos. Da perspectiva de uma organização de ajuda humanitária que trabalha em países pobres tratando pessoas com aids, o quadro mundial é alarmante.

Questões cruciais sobre o tratamento da aids permanecem sem resposta

As crianças continuam sendo negligenciadas. Existem poucas formulações pediátricas adaptadas e acessíveis para as 2.2 milhões de crianças vivendo com HIV/aids no mundo, e poucos instrumentos para diagnóstico e monitoramento adaptados para as suas necessidades. A OMS e a UNAIDS continuam fracassando nessas questões.

Devido à falta da concorrência dos genéricos, medicamentos de segunda escolha tão necessitados já estão de duas a 12 vezes mais caros que os genéricos de primeira escolha recomendados pela OMS. A OMS descreve os preços dos anti-retrovirais como um "perigo crescente à saúde pública". No entanto, a mesma OMS e outras agências não estão exigindo nada dos governos ou das indústrias farmacêuticas e, portanto, não estão oferecendo nenhuma solução prática para este problema.

As regras de comércio estão interferindo na concorrência dos genéricos, que conseguem reduzir dramaticamente os preços dos anti-retrovirais e que eram um pré-requisito para que doadores e governos se comprometessem com o acesso ao tratamento. Janeiro de 2005 é um novo marco no acesso ao tratamento de medicamentos.

Índia, onde a maioria dos grandes produtores de genéricos de anti-retrovirais está localizada, não terá mais o direito de produzir versões genéricas de novos medicamentos patenteados porque está implementando o Acordo TRIPS da OMC – Organização Mundial de Comércio. Isto irá invariavelmente levar a um aumento dos preços de todos os novos medicamentos contra a aids.

A OMS deveria fazer muito mais para fortalecer o seu projeto de pré-qualificação, e o governo dos EUA e as indústrias farmacêuticas deveriam parar de questionar a confiança que existe hoje sobre os genéricos por meio de campanhas públicas irresponsáveis e incorretas. No entanto, essas questões foram pouco discutidas em Davos.

As instituições reunidas em Davos disseram que os muitos mecanismos de financiamento para o combate ao HIV/aids estão trabalhando em conjunto para se alcançar o sucesso que se espera. Isto simplesmente não é verdade.

Os projetos do Plano de Emergência dos EUA de Combate ao HIV/Aids –PEPFAR- estão sempre levando vantagem em relação aos projetos do Fundo Global e das políticas nacionais, em termos de acesso e distribuição de medicamentos, processos de avaliação de qualidade, segurança e eficácia de medicamentos. De fato, por causa desta política inconsistente, o PEPFAR foi criticado recentemente por ter uma seleção menor de anti-retrovirais disponível para os 15 países em que o plano está focado do que a seleção existente em outras iniciativas de tratamento, e por gastar muito mais dinheiro do que outras iniciativas nesses anti-retrovirais.

No dia 26 de janeiro, o governo dos EUA divulgou um informe que revela que o PEPFAR paga de 40 a 368 dólares a mais do que outras iniciativas de combate à aids por paciente/ano para tratamentos de primeira escolha, porque se baseia nos medicamentos aprovados pelo FDA e não inclui algumas Combinações de Dose Fixa que são da preferência dos países enfocados. O informe explica que "para cada 100 mil pacientes neste regime (d4T+3TC+NVP) por cinco anos, o PEPFAR pode pagar até 170 milhões de dólares a mais que as outras iniciativas".

Em outras palavras, o PEPFAR poderia estar tratando milhares de pessoas a mais com o dinheiro que vem desperdiçando.

Finalmente, a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos instrumentos de prevenção, diagnóstico, monitoramento e de terapêutica adaptados para o uso em lugares menos desenvolvidos está completamente fora da agenda política internacional. Novos instrumentos para diagnosticar o HIV em crianças com menos de 18 meses, para diagnosticar a Tuberculose e para detectar a falha de tratamento, por exemplo, são urgentemente necessários nos países em desenvolvimento assim como medicamentos, vacinas e microbicidas, novos e adaptados.

Se essas e outras questões importantes não forem discutidas urgentemente, muitas pessoas vivendo com HIV/aids nos países em desenvolvimento nunca terão acesso a tratamentos que salvam vidas ou não poderão sobreviver, uma vez que não poderão estar sob tratamento em longo prazo.

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