Entrevista: Jorge Muñoz – 20 anos de trabalho dedicados à inclusão da população de rua

Nesta entrevista, Muñoz ressalta que uma política pública para esta população deve superar o atendimento das necessidades mais imediatas, como fome, abrigo e cobertores. “Penso que uma política deveria colocar os alicerces de processos de inclusão”.

Argentino, de Mendoza, e radicado no Brasil desde 1967, Jorge Muñoz é mestre em Filosofia da Educação pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e desde 1983 trabalha com a população adulta em situação de rua, primeiro em São Paulo, depois no Rio de Janeiro. Membro da equipe técnica da Nova Pesquisa e Assessoria em Educação – uma organização não governamental que atua na área de educação voltada para a construção de uma sociedade efetivamente democrática –, Muñoz representa a Nova Pesquisa na Comissão Permanente de Monitoramento das Políticas Públicas de Assistência Social – um fórum para discutir a problemática vivida pelos moradores de rua da cidade do Rio de Janeiro. Nessa entrevista, Jorge Muñoz fala sobre sua experiência e sobre os problemas enfrentados pela população adulta em situação de rua.

1. Qual a sua história em relação à defesa dos direitos humanos da população em situação de rua?
Enquanto membro da equipe técnica da Nova, comecei minha experiência junto à população em situação de rua em São Paulo, no ano de 1983, mantendo um contato sistemático e participando de trabalhos da OAF (Organização de Auxílio Fraterno). Havia nesses trabalhos uma visão e uma prática que superavam quaisquer traços de assistencialismo e apontavam para outra proposta. A partir daí, a Nova passou a participar do grupo daqueles que atuam, pesquisam e estudam, à luz de uma efetiva inclusão social, as propostas de interferência junto à mencionada população. Mas não só temos criado e participado de espaços de debate das questões e desafios que o atendimento aos moradores de rua coloca permanentemente, mas também socializamos de diversas maneiras – por exemplo, através de publicações específicas – as informações e conhecimentos produzidos a esse respeito.

2. Quais são os maiores problemas enfrentados pela população de rua do Rio de Janeiro?
Um problema decisivo e fundamental, poucas vezes explicitado, é a ausência de propostas que efetivamente construam a inclusão social, superando as respostas às necessidades mais imediatas (pernoite, alimentação, roupa…).

3. Existe alguma política pública no Rio de Janeiro para este problema? Por que?
Entendo que uma política para ser pública supõe uma construção conjunta dos governos com a sociedade civil. E isso, no momento, não existe. Porém, vem sendo encaminhada por iniciativa da sociedade civil. Penso que uma tal política deveria propor uma estratégia de atendimento que contemplasse tanto os trabalhos dos governos municipal e estadual, como os da sociedade civil, além de colocar os alicerces de processos de inclusão.

4. O que o Sr. acha da “operação Cata-Tralha” realizada pela prefeitura para recolher os pertences da população de rua?
Acho que essa operação, como qualquer outra ação semelhante, sofre de um erro endêmico: responder com medidas imediatas – no caso, repressivas – a um desafio que exige o desenvolvimento de processos de efetiva inclusão social. Essas medidas agravam a situação de exclusão e discriminação em que vive a população em situação de rua. Aliás, neste momento que respondo essas perguntas, penso estarrecido na chacina de moradores de rua acontecida recentemente em São Paulo.

5. Os governos – estadual e municipal – vivem salientando que há equipamentos sociais (abrigos e albergues) suficientes e que não haveria necessidade dessas pessoas estarem nas ruas do Rio. O que Sr acha disso?
Esses equipamentos (abrigos, albergues, centros de referência e outros), na maioria das vezes, não fazem parte articulada de uma estratégia de atendimento que desenvolva uma proposta de inclusão social. Eles se explicam em si próprios. De que adianta aumentar o número de equipamentos se eles não são, articulados e funcionalmente constitutivos de uma estratégia de inclusão social? Em referência exclusivamente ao pernoite que mal ou bem oferecem contribui na inclusão social dos albergados? É preciso rever a contribuição específica dos equipamentos enquanto peças na construção de um processo.

6. O Sr teria proposições a serem feitas – em relação à política pública – para os governos municipal e estadual?
Há 2 anos foi criada no município do Rio uma Comissão Permanente com representantes da sociedade civil (aí incluída a própria população em situação de rua) e dos governos municipal e estadual com a finalidade de monitorar e propor, se for o caso, uma política pública para essa população. A mencionada comissão vem se reunindo há mais de 1 ano, sugestões de instâncias de ambos os governos e da sociedade civil com vistas à elaboração de uma proposta de política pública. Essas sugestões já estão sendo sistematizadas e serão discutidas em diversas instâncias, para daí redigir a proposta a ser entregue a ambos os governos. Minha proposição é a dessa construção efetivamente representativa.

7. O que o Sr acredita que seria importante ressaltar para que as propostas de políticas públicas possam ser efetivas?
Dado que a existência dos moradores e moradoras da rua está intimamente relacionada aos processos de exclusão social que caracterizam nossa atual sociedade, é verdadeiramente adequado trabalhar na criação de fóruns regionais que, agrupando vários municípios vizinhos, se disponham a traçar estratégias regionais de atendimento a essa população e que ultrapassem os limites geográficos de quaisquer municípios. É fundamental que todo este debate e trabalho de construção de propostas esteja acompanhado por pesquisas consistentes sobre o perfil dessa população, as quais venham embasar quaisquer encaminhamentos.

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