“A entrada de Médicos Sem Fronteiras em Costa Barros foi um salto para a saúde”

Agente Comunitária de Saúde, Márcia Rodrigues, lembra os benefícios que MSF trouxe à comunidade com a reabertura da Unidade de Saúde de Costa Barros (UMAMP). De 360 consultas/mês, a unidade passou a realizar cerca de 3.000 consultas/mês.

Em 1998, Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou um projeto na Unidade Municipal de Assistência Médica Primária de Costa Barros (UMAMP), numa área extremamente pobre e violenta do Rio de Janeiro, em parceria com a Prefeitura da cidade. A Unidade, que estava praticamente desativada, voltou a oferecer serviços importantes à comunidade, onde moram aproximadamente 50 mil pessoas. Antes da chegada de MSF, a Unidade realizava uma média de 360 consultas por mês e, já no ano seguinte, em 1999, esse número pulou para 2.600 consultas/mês. Em 2001, MSF repassou o projeto para uma ONG, a Campo, e este ano a UMAMP completou 21 anos de idade, mantendo a qualidade que foi característica da co-gestão de MSF, como conta nesta entrevista a Agente Comunitária de Saúde, Márcia Vieira Ferreira Rodrigues, há 5 anos na UMAMP e moradora há 23 anos da comunidade de Costa Barros.

1 – Como é que funcionava o Posto de Saúde antes da chegada de Médicos Sem Fronteiras?

R: Na realidade o posto não funcionava. Estava muito precário, só tinha um pediatra e uma clinica médica. Eu mesmo era moradora daqui e não vinha nessa unidade, tinha que estar saindo pra conseguir atendimento. Com a chegada de MSF essa situação começou a se modificar. Trouxeram para cá médicos, funcionários. E pacientes que eram hipertensos, por exemplo, e que não se tratavam mais porque aqui não tinha recursos, e eram pessoas que não podiam buscar atendimento fora, voltaram a se tratar no posto. As pessoas começaram aos poucos a retornar através das buscas ativas que foram feitas. Esse foi o primeiro passo que Médicos Sem Fronteiras fez – ir atrás das pessoas, trazendo de volta os pacientes afastados.

2 – Como foi feita essa busca ativa?

R: Nós tínhamos a lista de todos os faltosos, todos os hipertensos, todos os diabéticos, então nós começamos a captar essas pessoas de volta. Nós já levávamos para essas pessoas uma consulta agendada e as convidávamos para retornar ao posto. E com o retorno dessas pessoas, o posto voltou a funcionar normalmente, começamos a fazer trabalhos com adolescentes, palestras sobre DST e Aids, passamos a fazer o pré-natal com as gestantes que não estavam fazendo pré-natal, e assim a comunidade foi sabendo aos poucos da reabertura do posto. Então, a unidade que atendia uma média de 350 pessoas por ano, passou a atender mais de 3.000 pessoas por mês. E, além do dinheiro que era gasto para se chegar a um outro posto, que as pessoas economizaram com a reabertura da unidade, os pacientes hipertensos e diabéticos passaram a caminhar para vir à unidade e isso sem dúvida trouxe uma melhora muito grande na saúde dessas pessoas.

3 – Você acredita que com a intervenção de MSF houve uma mudança importante para a comunidade?

R: Com certeza, eu acho que a entrada de Médicos Sem Fronteiras dentro de Costa Barros foi assim um salto para a saúde. Hoje em dia as pessoas entendem mais a política de saúde, não só as pessoas, mas as lideranças comunitárias que passaram a freqüentar o posto. Com a chegada de MSF passamos a ter aqui reuniões de lideranças comunitárias, onde participavam a direção do posto, a direção da escola, associação de moradores, e então começou a se formar um pólo de saúde. Hoje dia, todo mundo dentro da unidade e dentro da comunidade ainda lembra de MSF. Embora a saúde não esteja 100 por cento, se você perguntar a um jovem hoje, o que é uma DST, como se pega aids, ele sabe.

4 – Você acredita que, após a reativação da UMAMP, a comunidade passou a se organizar melhor para exigir os seus direitos?

R: Eu acho que sim, com a chegada de MSF iniciou-se aqui um fórum comunitário, e com essas reuniões, a comunidade se organizou mais. Por que? Porque hoje em dia as lideranças freqüentam todas as reuniões que têm no posto. Formou-se um elo. MSF veio para essa região de Costa Barros e formou um elo, um elo que não foi rompido. Ainda hoje nós temos ligações com as lideranças comunitárias, ficou mais fácil entrar e sair da comunidade com qualquer pessoa, trouxe o respeito e a dignidade aos profissionais de saúde e às lideranças comunitárias. Hoje você pode fazer uma ação dentro da comunidade que eles respeitam, eles sabem que é uma ação organizada pelo posto. As pessoas começaram a falar em SUS, coisa que ninguém sabia o que era, e as pessoas passaram a entender os seus direitos e seus deveres.

5 – Houve então uma compreensão melhor dos direitos de cidadania?

R: Com certeza, a chegada de MSF trouxe não só essa visão de cidadania para os moradores mas para as lideranças comunitárias também. Porque hoje em dia quando se tem uma reunião comunitária, você percebe que as pessoas sabem qual é o direito delas. Isso trouxe uma valorização muito grande para as pessoas da comunidade, porque hoje as pessoas entendem que é direito delas fazer um pré-natal, ter um atendimento médico digno, reclamar da falta de atendimento. Hoje as pessoas têm a certeza de que não estão pedindo um favor a ninguém.

6 – MSF ajudou a desenvolver essa noção de cidadania?

R: Ajudou só não, ensinou. A entrada de MSF na comunidade foi como uma criança que vai a escola pela primeira vez. MSF ensinou a comunidade as primeiras letras, mostrou o caminho. MSF saiu daqui como ONG, mas na memória, na recordação, no trabalho do dia-a-dia, é como se ainda estivesse. MSF ajudou a construir a noção de igualdade.

7 – Como está funcionando hoje a UMAMP?

R: Mesmo depois da saída de MSF, houve uma continuação de todo esse trabalho que MSF deixou. Ainda hoje continua tendo reunião de liderança. E embora nem todos os funcionários estejam trabalhando aqui hoje, a direção da unidade absorveu todo aquele tempo que passamos por MSF. Então aquilo que MSF ensinou continua até hoje: esse espírito de igualdade pra todos, esse livre acesso, o direito das pessoas de expor as suas necessidades, a noção de direito, de cidadania. Hoje posso dizer que a comunidade de Costas Barros é uma comunidade muito melhor. E isso nós devemos sempre a MSF.

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