Enfrentando a tuberculose após impacto da COVID-19 em comunidades de Manila, Filipinas

Equipes de MSF vão de porta em porta para incentivar que moradores façam exames oferecidos gratuitamente.

Profissionais de MSF vão de porta em porta para rastrear pessoas que tiveram contatos com pacientes diagnosticados com tuberculose. Foto: Ezra Acayan/MSF

Embora a COVID-19 tenha aumentado a conscientização da população em geral sobre os riscos de doenças transmitidas pelo ar, as pessoas em vulnerabilidade – como aquelas em situação de pobreza em áreas urbanas – foram expostas a um risco aumentado de infecção por tuberculose (TB). Bloqueios prolongados e interrupções nos serviços médicos de TB nas Filipinas expuseram as pessoas que vivem em áreas superpopulosas a um risco duplo. Para resolver o problema, uma equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) está trabalhando com um caminhão de triagem para rastrear a tuberculose em algumas das áreas mais densamente povoadas do Sudeste Asiático.

Sentada em frente à sua mercearia, que também é a casa que ela compartilha com dez membros da família, Amalia, de 42 anos de idade, não menciona o nome da doença com a qual foi diagnosticada em maio de 2022. Neste edifício na comunidade de Tondo, Manila, a falta de privacidade é tal que se prefere não dizer a palavra “tuberculose”, por medo de assustar os vizinhos. Amalia vive em Smokey Mountain, um bairro que leva o nome de um “lixão” agora fechado, mas ainda presente, a partir do qual eram emitidos vapores tóxicos entre os anos 1960 e 1990.

Amalia foi diagnosticada após utilizar o serviço médico de MSF. Foto: Ezra Acayan/MSF

Não foi longe do bairro que Amalia fez um exame no caminhão de raios-X de MSF, no início de maio de 2022. Ela contou à equipe que tinha febre todas as tardes, mas que isso foi resolvido com paracetamol. O radiologista tirou um raio-X de seus pulmões e a equipe coletou sua secreção nasal para testar a infecção por tuberculose. Poucos dias depois, o diagnóstico foi confirmado em laboratório. Uma equipe de apoio ao paciente, composta por enfermeiras e um terapeuta, fez contato com Amalia e foi até sua casa para informá-la do diagnóstico e tranquilizá-la de que ela poderia se recuperar seguindo um curso de tratamento de seis meses, gratuitamente, em seu centro de saúde. ”

“Imediatamente pensei na minha mãe. Essa foi a causa de sua morte. Eu pensei: ‘talvez isso me mate também’.”
– Amalia, paciente de MSF.

Tuberculose durante a pandemia da COVID-19

A tuberculose mata pelo menos 1,5 milhão de pessoas por ano ¹. Era a doença infecciosa mais letal do mundo antes da COVID-19, o que não significa que a tuberculose esteja diminuindo, muito pelo contrário. Durante a pandemia de COVID-19, o número de mortes relacionadas à TB aumentou, e o número de novos casos da doença aumentou pela primeira vez em décadas².

A bactéria da tuberculose é transmitida pelo ar quando uma pessoa infectada espirra, tosse ou fala. Pode ser facilmente transmitida em espaços confinados e pode permanecer dormente no corpo por meses ou anos sem se tornar uma doença ativa.

Mais de 650 mil pessoas vivem em Tondo, uma área de cerca de nove quilômetros quadrados que se estende entre o porto e o distrito comercial de Manila. É uma das comunidades mais densamente povoadas do mundo. Por quase dois anos, rigorosas medidas contra a COVID-19 contribuíram para a superlotação, com bairros e casas completamente confinados – ninguém podia sair por dias a fio. Em Tondo, gerações viviam juntas em espaços pequenos e mal ventilados. As crianças ficaram em casa por dois anos e meio, pois as escolas estavam fechadas em todo o país. Muitos dos homens, que eram os principais chefes de família, não podiam mais trabalhar.

Trisha Thadhani, médica filipina especializada em tuberculose no projeto de MSF, explica: “Como em outros lugares, restrições de movimento, preocupações com os riscos de visitar instalações de saúde, escassez de pessoal médico e fechamento de instalações de saúde levaram a uma queda acentuada no número de casos diagnosticados de tuberculose, assim como interrupções no tratamento da doença”. Como resultado, os casos não puderam ser detectados ou tratados. Muitas pessoas podem ter sido infectadas sem saber.

Projeto para identificar casos de tuberculose

Em Tondo, MSF lançou um projeto de busca ativa de casos de tuberculose, em colaboração com o Departamento de Saúde de Manila. O objetivo é examinar as pessoas, rastrear casos de contato, encaminhar pacientes com TB para centros de saúde locais e acompanhá-los para garantir que eles sigam o regime de tratamento, ajudando a salvar vidas e quebrar as cadeias de transmissão.

Caminhão de MSF que oferece exame de raios-X para diagnóstico de tuberculose. Foto: Ezra Acayan/MSF

Desde maio de 2022, com o acordo prévio e o apoio das autoridades e da comunidade, uma equipe móvel de MSF viaja pelos barangays (bairros) de Tondo com um caminhão contendo equipamentos radiológicos. O objetivo é tornar os exames acessíveis e levá-los o mais próximo possível de onde as pessoas da comunidade vivem e trabalham. Mas a presença desse dispositivo por si só não é suficiente para incentivar a população a ser examinada.

A profissional de MSF Ruth Roxas, gerente da iniciativa de busca ativa de casos, explica: “Quando começamos as atividades, poucas pessoas queriam ser examinadas por causa de ideias preconcebidas e medos sobre a tuberculose. Nosso principal desafio é incentivar as pessoas a participar da triagem, mesmo que se sintam ‘saudáveis’. É comum ouvir que a tuberculose afeta apenas pessoas idosas ou já doentes”.

Entre os medos, está potencialmente descobrir uma infecção e ser rejeitado pela família e vizinhos que temem ficar doentes ou perder o emprego. Obter tratamento leva tempo, você tem que ir ao centro de saúde regularmente por seis meses para reabastecer a medicação, e o transporte para os centros de saúde pode ser caro.

“Muitas vezes, a prioridade não é a saúde, mas ganhar dinheiro suficiente para sustentar a família”.
– Ruth Roxas, gerente da iniciativa de Busca Ativa de Casos em Manila.

A equipe de promoção da saúde de MSF, em colaboração com as autoridades locais, está tentando superar esses obstáculos.

Profissional de MSF trabalha no processamento de exame de raios-X de paciente. Foto: Ezra Acayan/MSF

Uso de tecnologia para diagnóstico da tuberculose

Às oito horas da manhã, os alto-falantes nos barangays anunciam: “Radiografia pulmonar gratuita!”. Todos os dias, de bom humor, os profissionais de MSF, a maioria deles moradores de Tondo, caminham por cada uma das ruelas sinuosas do bairro e batem de porta em porta para incentivar a comunidade a ser examinada. Eles também realizam sessões de conscientização para abordar informações equivocadas sobre a doença: a tuberculose pode ser curada e o tratamento reduz o risco de infecção em casa. Atualmente, entre 400 e 450 pessoas são examinadas no caminhão de MSF a cada semana.

A triagem de um número tão grande de pessoas com uma única máquina de raios-X e um radiologista poderia ser difícil sem o uso de uma pequena e inovadora caixa. Ela contém um programa de software com inteligência artificial, um “diagnóstico assistido por computador”. O programa é capaz de reconhecer a tuberculose muito rapidamente em radiografias de tórax, o que acelera significativamente o processo de triagem.

Quando se suspeita de tuberculose após uma análise de raios-X, a secreção nasal do paciente é coletada e enviado para os laboratórios do Departamento de Saúde de Manila, onde máquinas chamadas “GeneXpert” podem fornecer o diagnóstico em alguns dias. A equipe de suporte ao paciente de MSF assume a tarefa de acompanhar pacientes recém-diagnosticados e procurar casos de contato no domicílio.

Para identificar casos de tuberculose, equipes de MSF vão de porta em porta. Foto: Ria Kristina Torrente/MSF

Triagem de porta em porta

Encontrar essas pessoas no labirinto das ruelas de Tondo não é tarefa fácil. É preciso paciência. Às vezes, é preciso caminhar por várias casas, batendo em muitas portas, refazendo os passos dos pacientes. Às vezes, é preciso voltar no dia seguinte.

Foi assim que as equipes de MSF incentivaram Amalia a iniciar o tratamento em seu centro de saúde. Os membros da família que vivem na mesma casa também foram convidados para fazer exames. Os netos de Amalia foram examinados e encaminhados pelo médico de MSF, com o consentimento dos pais das crianças, para um tratamento preventivo der três meses.

“Bebês e crianças pequenas são particularmente propensos a formas graves e fatais da doença”.
– Trisha Thadhani, médica de MSF especializada em tuberculose.

O diagnóstico de crianças, no entanto, é mais complexo do que em adultos, segundo explica Thadhani. “É difícil para as crianças produzir a secreção nasal necessária para análises laboratoriais. Além disso, existem deficiências nutricionais nos barangays de Tondo, o que torna as crianças ainda mais vulneráveis. Proteger as crianças por meio de medidas preventivas em paralelo com o tratamento de adultos, quando há suspeita de contaminação, é uma prioridade para nós”.

Moradora com o neto em uma ação de rastreamento de casos de tuberculoso em Tondo. Foto: Ezra Acayan/MSF

Nossas equipes médicas propõem tratamento preventivo para casos de contato após diagnóstico clínico para crianças menores de cinco anos de idade e após testes cutâneos para crianças entre cinco e 14 anos de idade.

Amalia agora está curada. Ela reabriu sua pequena mercearia e pôde abraçar os netos mais uma vez, sem se preocupar. A taxa de casos confirmados de tuberculose entre a população que nossas equipes examinaram até agora, que é de mais de 6.400 pessoas nos últimos dez meses, é em média 5%. O alto número confirma nossa hipótese inicial de um provável aumento nos casos de TB após a pandemia de COVID-19.

Amalia, já curada da tuberculose, com a neta. Foto: Ezra Acayan/MSF

Nossas equipes continuam a rastrear a tuberculose de porta em porta, dia após dia. “É uma gota no oceano”, observa Thadhani. Mas ela continua esperançosa de que a lacuna deixada no rastro da pandemia possa ser preenchida pelo esforço conjunto das partes interessadas no controle da tuberculose em Tondo e em outros lugares.

 

¹Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Veja aqui (em francês).

²Dados da OMS. Veja aqui (em francês).

 

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