Enchentes severas e resposta humanitária insuficiente colocam pessoas em risco em Bentiu, Sudão do Sul

Agências humanitárias, ONU e o governo do Sudão do Sul precisam ampliar urgentemente resposta às enchentes; pelo menos 152 mil pessoas deslocadas vivem em péssimas condições

Foto: Tomas Bendl/MSF

23 de novembro de 2021 (Juba/Amsterdã) – A população em Bentiu, ao norte do Sudão do Sul, está enfrentando surtos de doenças infecciosas e transmitidas pela água, aumento da insegurança alimentar e desnutrição devido a algumas das enchentes mais graves nas últimas décadas. O fracasso das organizações humanitárias e das autoridades em aumentar a escala de resposta com rapidez suficiente deixou pelo menos 152 mil pessoas deslocadas em péssimas condições de vida.

A organização médico-humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) apela a outras organizações humanitárias em Bentiu, bem como as Nações Unidas, o Ministério da Saúde e o governo do Sudão do Sul para ampliar urgentemente a assistência alimentar e nutricional, serviços de água e saneamento, abrigo e cuidados de saúde.

A resposta humanitária perigosamente lenta e inadequada está colocando vidas em risco”, disse Will Turner, coordenador de operações de emergência de MSF. “A situação deplorável dentro do acampamento de deslocados de Bentiu – o antigo local de Proteção de Civis – não é um fenômeno novo. Durante anos, advertimos repetidamente sobre as condições terríveis, mas outras organizações e agências responsáveis pelos serviços de água e saneamento no acampamento não aumentaram ou ajustaram suficientemente suas atividades”, disse ele.

“Agora estamos enfrentando uma situação em que, mesmo nesta crise atual, parece que há uma paralisia na ação, resultando em péssimas condições de vida e enormes riscos à saúde para as pessoas que vivem no acampamento de Bentiu e em outros acampamentos improvisados na cidade de Bentiu”, disse Turner.

Enormes necessidades médicas

As inundações deste ano atingiram mais intensamente as pessoas em Bentiu, a capital do estado de Unity, enquanto mais de 800 mil pessoas em todo o país foram afetadas. Estima-se que 32 mil pessoas fugiram das enchentes nos vilarejos e condados de Guit e Nhyaldu e agora vivem em quatro acampamentos improvisados na cidade de Bentiu. Enquanto isso, o número de pessoas no acampamento de deslocados internos de Bentiu (antes, um local de Proteção de Civis) aumentou para 12 mil em apenas alguns meses e agora abriga pelo menos 120 mil pessoas, com uma grande chance de milhares terem chegado nas últimas semanas.

“Quando as enchentes vieram, tudo foi destruído. Tivemos que deixar nossa casa. Agora estamos sofrendo porque não temos o essencial, como lençóis de plástico, água limpa, nem comida suficiente”, disse Johnson Gailuak, um homem de 28 anos que foi desabrigado pelas enchentes. “Meu desejo para o futuro é que o nível da água baixe para que as pessoas possam voltar para suas casas e para que minha família tenha comida suficiente”, diz ele.

Com o afluxo de pessoas no acampamento de Bentiu, o hospital de MSF está completamente sobrecarregado. Até o momento, em novembro, nossas equipes atenderam em média 180 pacientes por dia. A maioria dos pacientes são crianças menores de cinco anos que sofrem de malária, infecções do trato respiratório e desnutrição.

Adicionamos 45 leitos extras ao nosso hospital de 135 leitos, com um aumento de 35% nas admissões de agosto a outubro. Nossas equipes tiveram que converter uma sala de reuniões, bem como a capacidade de isolamento restante, em departamentos ambulatoriais e uma enfermaria pediátrica para acomodar o aumento de pacientes.

“Estamos extremamente preocupados com a desnutrição – com níveis de desnutrição aguda severa duas vezes maior que o limite da Organização Mundial de Saúde (OMS) – e o número de crianças internadas em nosso hospital com esta condição dobrando desde o início das enchentes”, disse Jacob Goldberg, coordenador médico de emergência de MSF.

Enquanto isso, o hospital estadual de Bentiu também está sobrecarregado, e os cuidados básicos de saúde disponíveis são insuficientes, com horários limitados e sem aumento da capacidade de leitos para atender ao elevado número de crianças desnutridas.

Tempestade perfeita para o surto de doenças

No acampamento de Bentiu, as condições de vida são horríveis. O local de tratamento de esgoto foi cortado por semanas pelas enchentes, o que significa que quase não há latrinas utilizáveis no acampamento. À medida que cada vez mais pessoas chegam ao acampamento devido às inundações, ocorre visivelmente uma maior defecação a céu aberto, com excrementos (fezes e urina) escorrendo das latrinas transbordando para os esgotos abertos. Além disso, as pessoas não têm água ou armazenamento de água suficiente, não há coleta de lixo resultando no acúmulo de resíduos, enquanto os animais mortos (cabras e cães) são deixados apodrecendo nos sistemas de drenagem.

Com as condições já deploráveis agravadas ainda mais pelo afluxo de recém-chegados, as pessoas correm maior risco de surtos e doenças transmitidas pela água, como diarreia aquosa aguda, cólera e malária.

Enquanto isso, nos acampamentos da cidade de Bentiu, o número de pacientes com malária é extremamente preocupante – cerca de 60% das nossas consultas em clínicas móveis agora se concentram em pacientes com malária. Quando as águas recuam, cria-se um terreno fértil perfeito para os mosquitos, enquanto a maioria das pessoas nos acampamentos nem mesmo tem mosquiteiros, o que as deixa perigosamente expostas à doença. Nossas equipes médicas também estão começando a notar um aumento na diarreia aquosa aguda em alguns dos acampamentos, provavelmente devido às más condições de água e saneamento.

“Com o hospital completamente cheio, se houver um grande surto de uma doença infecciosa ou de veiculação hídrica, não teremos espaço suficiente para responder adequadamente”, diz Goldberg.

Ação urgente necessária

MSF aumentou rapidamente as atividades e trouxe uma equipe de emergência adicional composta por equipes médicas, consultores de água e saneamento e coordenadores de emergência para administrar clínicas móveis na cidade de Bentiu. Também faremos vigilância de doenças no acampamento de Bentiu e apoio de água e saneamento com esvaziamento, limpeza e reparos de latrinas de emergência. Mas ainda não é suficiente para atender às necessidades em massa. A resposta humanitária de outras organizações e agências em Bentiu continua lenta e insuficiente, sendo que os doadores só se aproximam lentamente com financiamentos de emergência.

“A resposta humanitária em Bentiu precisa mudar de marcha com urgência”, disse Turner. “Ainda não há assistência alimentar suficiente dentro ou fora do acampamento de Bentiu, apesar do afluxo de pessoas deslocadas, com um corte pela metade das porções alimentares no início deste ano. “Organizações e agências de água e saneamento dificilmente aumentaram as atividades, apesar das condições horríveis e perigosas nos acampamentos”, diz ele.

“As pessoas simplesmente não podem continuar a ser forçadas a viver em condições tão indignas, desnecessariamente expostas a doenças evitáveis. É urgentemente necessária a ação de outras organizações e agências humanitárias agora”, diz Turner.

MSF começou a atuar em Bentiu, capital do estado de Unity, em 2000, oferecendo atendimento médico a pessoas deslocadas que fugiram da violência e dos combates. Na cidade de Bentiu, a clínica de MSF concentra-se em serviços de violência sexual e baseada em gênero (VSBG) e saúde sexual e reprodutiva, com atividades de extensão, incluindo promoção da saúde e envolvimento da comunidade. No acampamento de Bentiu, o maior acampamento para deslocados no Sudão do Sul, MSF oferece serviços de saúde desde a formação do acampamento em 2014. Oferecemos cuidados de saúde especializados, cirurgia e serviços de emergência para adultos e crianças em nosso hospital, bem como uma equipe de extensão dentro do acampamento e capacidade de resposta de emergência para responder a surtos de doenças .

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