“As enchentes deixaram as pessoas tão vulneráveis que é um dilema decidir quais são as maiores necessidades”

Mohamed Kalil é consultor de assuntos humanitários de MSF na Somália e na Somalilândia

“As enchentes deixaram as pessoas tão vulneráveis que é um dilema decidir quais são as maiores necessidades”
Beledweyne é uma cidade grande no centro da Somália, com arranha-céus e uma atividade comercial vibrante. Embora seja frequentemente afetada por chuvas sazonais, este ano foi diferente. O rio Shabelle estava tão cheio de água das terras altas da vizinha Etiópia que no final de outubro suas margens se romperam e a cidade foi quase completamente inundada. 
 
As inundações afetaram a todos, ricos e pobres, de uma maneira que os locais não se lembram de ter visto antes. Todos foram expulsos de suas casas e escritórios. No distrito comercial, a água atingiu um nível que nem podia ser medido. Algumas pessoas foram para os telhados e ficaram isoladas. Outras foram resgatadas de barco de suas moradias. 
 
Depois de alguns dias sem chuva, a água está baixando, mas os danos às estradas e ao sistema de esgoto são muito visíveis. A água de esgoto e a inundação se misturam, contaminando amplamente os poços rasos que fornecem água potável. Os estoques de alimentos foram levados pela enchente e poças de água parada estão por toda parte, originando criadouros de mosquitos que causam malária e outras doenças.
 
O hospital distrital foi inundado com meio metro de água. Somente a sala de operações, situada em uma área mais elevada, não foi afetada. As consultas médicas foram interrompidas e as instalações não funcionaram nas últimas três semanas. Provavelmente o sistema elétrico foi danificado e quase nenhum material médico poderá ser utilizado novamente. 
 
Em pouco tempo, as inundações deslocaram cerca de 270.000 pessoas em Beledweyne. Elas foram para áreas mais altas nas partes oeste e leste da cidade. A maioria agora vive em abrigos improvisados, que geralmente são apenas roupas esticadas por varas de madeira ou presas a árvores. Vai levar muito tempo até que eles possam voltar para casa.
 
Chegamos com uma pequena equipe em Beledweyne em 31 de outubro. O que deveria ser uma avaliação imediatamente se transformou em uma resposta de emergência devido às imensas necessidades. Apesar do fechamento do aeroporto local por vários dias, conseguimos transportar por via rodoviária suprimentos terapêuticos, tendas e itens não alimentares, como cobertores, baldes e utensílios de cozinha. Também construímos latrinas e transportamos caminhões de água potável.
 
As pessoas estão em situação tão vulnerável que muitas vezes é um dilema impossível decidir quem tem as maiores necessidades. Vi adultos e crianças revezando-se para usar tendas ou abrigos improvisados porque não há espaço suficiente para abrigar toda a família. Vi mulheres dando à luz em condições muito pouco higiênicas e uma mãe desesperadamente desnutrida que perdeu o marido incapaz de amamentar seus gêmeos recém-nascidos devido à fome. 
 
Um dia, ao avaliar uma área afetada, fiquei impressionado com a visão de uma mulher muito idosa, buscando refúgio em um abrigo improvisado e precário. Dias depois, quando voltamos para fornecer uma barraca, já era tarde demais. Disseram-nos que ela estava morta.
 
A ajuda distribuída até agora tem sido uma gota no oceano. Algumas famílias estão até compartilhando o suplemento alimentar de alta energia conhecido como PlumpyNut, que é dado às crianças no tratamento da desnutrição. Outras começaram a beber água da chuva. Muitas têm pouca proteção para os dias muito quentes e as noites frias de vento.
 
Uma segunda equipe de MSF chegou uma semana depois de nós. Depois de treinar funcionários do Ministério da Saúde, eles montaram clínicas móveis em quatro áreas diferentes da cidade. 
 
Vemos muito sofrimento. As crianças chegam com infecções das vias respiratórias, como pneumonia. Estamos tratando muitas doenças transmitidas por vetores, particularmente malária, casos de diarreia aquosa e febre de origem desconhecida. 
 
Os níveis de desnutrição já estavam altos antes da crise atual, mas agora a situação piorou e muitas crianças com desnutrição grave estão chegando para consultas. 
 
Estamos preocupados com o possível aumento acentuado de casos de malária e surtos de doenças transmitidas pela água, como a cólera. São necessários esforços coordenados entre organizações humanitárias e as autoridades locais para continuar a mobilizar assistência e seguir garantindo que a ajuda chegue às pessoas mais vulneráveis a tempo. 
 
É crucial melhorar rapidamente as más condições de água e saneamento em Beledweyne e facilitar o acesso a água potável para evitar a propagação de doenças.
 
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