Em relatório lançado por MSF, pessoas Rohingya revelam falta de perspectiva para o futuro

Há 8 anos, mais de 800 mil rohingyas foram forçados a fugir de Mianmar e vivem em acampamentos de refugiados de Bangladesh

Ershadullah, em um ponto de água de MSF no acampamento de refugiados de Kutupalong. Ele foi forçado a fugir para Bangladesh em 2017. © Ante Bussmann/MSF

Um novo relatório de Médicos Sem Fronteiras (MSF) revela que a população Rohingya segue enfrentando uma crise prolongada, com violência contínua e cortes na ajuda humanitária, oito anos após fugir de uma campanha de perseguição violenta em Mianmar.

Enquanto a comunidade internacional se prepara para uma conferência de alto nível na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, no dia 30 de setembro, sobre a situação dos Rohingya e outras minorias em Mianmar, as vozes dos mais afetados permanecem em grande parte sem serem ouvidas.

Antes do evento, MSF consultou 427 rohingyas nos acampamentos de Cox’s Bazar, em Bangladesh, para traçar um panorama dos desafios enfrentados por mais de um milhão de pessoas. O relatório resultante, intitulado “A ilusão da escolha: as vozes dos Rohingya ecoam dos acampamentos”, está disponível em inglês e traz as seguintes conclusões:

As consultas recentes envolveram um questionário estruturado aplicado a pacientes com 18 anos de idade ou mais (46% homens e 54% mulheres) que buscaram atendimento em quatro unidades médicas de MSF. A pesquisa foi conduzida no idioma dos Rohingya, entre 26 de agosto e 2 de setembro de 2025.

Décadas de perseguição e de uma vida no limbo tiveram grande impacto.”

– Paul Brockmann, diretor de operações de MSF

“As nossas discussões com refugiados Rohingya nos acampamentos revelam um sentimento generalizado de impotência entre a comunidade, juntamente com uma pressão por soluções de longo prazo”, diz Paul Brockmann, diretor de operações de MSF. “Décadas de perseguição e de uma vida no limbo tiveram grande impacto, afetando não só saúde física, mas também o bem-estar mental das pessoas”, completa.

Nossas equipes trabalham com a comunidade Rohingya para oferecer cuidados de saúde e informações em Kutupalong, no sul de Bangladesh, próximo à fronteira com Mianmar. © Ante Bussmann/MSF

Eram 3 da manhã, e eu gritava por socorro. Depois de uma noite e um dia, fui resgatado.”

– Refugiado Rohingya em Bangladesh

Muitos dos pacientes com quem conversamos – especialmente aqueles que chegaram a Bangladesh durante as últimas ondas de deslocamento em 2024 – descreveram a violência da qual fugiram.

Um homem*, que chegou a Cox’s Bazar em 2024 após fugir do norte de Rakhine, contou à MSF que deixou Mianmar depois que sua filha foi morta:

“Um drone caiu perto de mim em Mianmar. Atingiu todas as pessoas, independentemente da idade ou do sexo. Eu estava com a minha filha, mas o drone nos feriu. Me atingiu no estômago e nas pernas. Quando recuperei os sentidos, percebi que minha filha já havia morrido. As pessoas pensaram que eu também estava morto. Eu estava deitado ao lado dela, mal conseguia respirar. Ao anoitecer, recuperei um pouco da consciência. Amarrei minhas feridas com pedaços da minha roupa e comecei a rastejar pelo chão. Eram 3 da manhã, e eu gritava por socorro. Acabei perdendo a consciência novamente. Depois de uma noite e um dia, fui resgatado.”

Os testemunhos das pessoas recém-chegadas desenham um quadro sombrio, explicando por que a esmagadora maioria não se sente segura em retornar a Mianmar nas condições atuais.

As pessoas podem me tirar meus bens, meu dinheiro e tudo o mais, mas ninguém pode me tirar o conhecimento e a educação.”

–  Refugiado Rohingya em Bangladesh

Embora o medo de voltar seja profundo, muitos refugiados também expressam desespero diante da falta de perspectivas nos acampamentos em Bangladesh. Como explicou um paciente:

“Se me perguntar se quero voltar para Mianmar, digo que eu não quero voltar. Tenho um sonho para o futuro dos meus filhos. Não tenho qualquer educação nem uma única oportunidade, mas quero que os meus filhos tenham acesso à educação… Aqui [em Bangladesh] não há esperança para a educação deles. As pessoas podem me tirar meus bens, meu dinheiro e tudo o mais, mas ninguém pode me tirar o conhecimento e a educação.”

“Os rohingya continuam a enfrentar graves restrições aos seus movimentos e na sua vida cotidiana. A insegurança afeta tudo. Desde a possibilidade de os pais levarem uma criança doente a uma clínica à noite até à realidade de viver em abrigos que oferecem pouca proteção contra a violência”, afirma Paul Brockmann.

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A situação nos acampamentos piora à medida que os serviços essenciais são reduzidos. Cortes significativos no financiamento dos doadores colocam em risco a assistência vital para uma população que depende quase inteiramente da ajuda humanitária. Desde o final de 2023, o aumento do conflito no estado de Rakhine, em Mianmar, levou uma nova onda de rohingyas a fugir para Bangladesh.

Em julho de 2025, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) registrava cerca de 150 mil refugiados recém-chegados, embora o número real provavelmente seja maior, com alguns vivendo informalmente dentro e fora dos acampamentos. Antes da conferência da ONU desta semana, os rohingyas deixaram claras suas preocupações e apelos por um futuro sustentável, como este paciente que afirmou:

Queremos uma vida melhor, com dignidade e igualdade no mundo, porque todos merecem uma vida pacífica.”

– Refugiado Rohingya em Bangladesh

“Queremos repatriação com nossos direitos de cidadania, segurança, nossas casas e nossa identidade”, completa ele.

“Após oito anos no limbo em Cox’s Bazar, a situação humanitária dos Rohingya continua insustentável. A falta de perspectivas futuras e o agravamento da saúde mental minam a esperança. Os Rohingya pedem mais do que abrigo e alimentos — eles querem um futuro, seja por meio do retorno seguro com direitos garantidos em Mianmar ou do reassentamento com dignidade. Isso exige que suas vozes estejam no centro de todas as discussões, garantindo acesso a serviços essenciais e oportunidades de autossuficiência, e trabalhando para que um retorno seguro, digno e voluntário seja realmente possível”, acrescenta Paul Brockmann.

 

MSF tem uma presença significativa e de longa data em Bangladesh, com foco principal na prestação de cuidados médicos em Cox’s Bazar. Em outras regiões do país, a organização já trabalhou para atender diversos problemas de saúde da comunidade, incluindo malária, kala-azar e emergências como as inundações — além de oferecer atendimento a comunidades em situação de vulnerabilidade em áreas urbanas.

Os esforços de MSF na região respondem a uma crise humanitária prolongada, com mais de um milhão de rohingyas vivendo em acampamentos de refugiados, muitos deles fugindo da violência em Mianmar desde 2017.

*Nome preservado para proteção

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