Em 2025, MSF já tratou cerca de 70 mil crianças com desnutrição em só um estado da Nigéria

Em Katsina e em outras regiões do norte do país, crise nutricional é agravada por cortes de ajuda externa

O enfermeiro Florence coleta amostra de sangue de uma criança em tratamento para desnutrição no centro de nutrição intensivo em Katsina, Nigéria. ©Zoe Bennell/MSF

O norte da Nigéria enfrenta atualmente uma crise alarmante de desnutrição. No estado de Katsina, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) está presente desde 2021, as equipes estão atendendo a um número crescente de crianças com desnutrição nos centros de nutrição terapêutica, com condições cada vez mais graves e taxas de mortalidade maiores.

Em colaboração com as autoridades locais, foi iniciada uma distribuição emergencial de suplementos nutricionais para 66 mil crianças na área do governo local de Mashi.

Com os drásticos cortes no financiamento internacional, a necessidade de prevenção e tratamento da desnutrição é enorme no norte da Nigéria, e é preciso promover uma mobilização urgente.

Até o final de junho de 2025, quase 70 mil crianças com desnutrição já haviam recebido atendimento médico de nossas equipes no estado de Katsina, incluindo quase 10 mil que foram hospitalizadas em estado grave. Desconsiderando as unidades de saúde abertas por MSF durante o ano no estado, isso representa um aumento de aproximadamente um terço em relação ao ano passado.

Entre janeiro e junho de 2025, o número de crianças com desnutrição com edema nutricional*, a forma mais grave e mortal da doença, aumentou 208% em comparação com o mesmo período de 2024. Tragicamente, 652 crianças já morreram em nossas instalações desde o início de 2025 por conta da falta de acesso a cuidados médicos em tempo oportuno.

Um sinal preocupante da crescente gravidade desta emergência de saúde pública é que os adultos — principalmente as mulheres, incluindo gestantes e lactantes — também são afetados.

Um rastreio realizado em julho em todos os cinco centros de desnutrição de MSF no estado de Katsina em 750 mães de pacientes revelou que mais da metade das acompanhantes adultas estavam com desnutrição grave, incluindo 13% com a condição aguda grave da doença.

 

MSF amplia atividades para responder à crise

Para lidar com o alto número de casos de desnutrição infantil previsto até o final da estação de escassez (período entre o plantio e a colheita), em outubro, MSF intensificou o apoio às autoridades locais em vários estados do norte da Nigéria, onde fornecemos cuidados à população.

Mubarak, fisioterapeuta de MSF, orienta Usman, uma criança de 13 meses de vida, durante uma sessão em grupo com acompanhantes de pacientes pediátricos com desnutrição no centro de nutrição terapêutica apoiado por MSF em Unguwa Uku, no estado de Kano. Nigéria. ©Abba Adamu Musa/MSF

No estado de Katsina, por exemplo, abrimos um centro de nutrição terapêutica ambulatorial em Mashi e um centro de nutrição terapêutica intensivo adicional em Turai, para fornecer um total de 900 leitos em dois hospitais apoiados por MSF.

“O ano de 2024 marcou um ponto de inflexão na crise nutricional no norte da Nigéria, com um aumento de 25% em relação a 2024. Mas a verdadeira dimensão da crise ultrapassa todas as previsões”, explica Ahmed Aldikhari, representante nacional de MSF na Nigéria.

Corte de financiamento agrava situação nutricional

A Nigéria está atualmente passando por grandes cortes orçamentários, principalmente dos Estados Unidos, do Reino Unido e de outros países europeus, que estão causando um impacto considerável no tratamento de crianças com desnutrição.

No início da semana passada, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) anunciou que será forçado a suspender toda a ajuda alimentar e nutricional de emergência para 1,3 milhão de pessoas no nordeste da Nigéria até o final de julho devido a “déficits críticos de financiamento”.

“Ao mesmo tempo, observamos necessidades cada vez maiores, como no estado de Katsina, onde um número crescente de pessoas não tem mais condições de comprar alimentos”, acrescentou Aldikhari.

• Leia também: em meio a corte de financiamento dos EUA, cresce número de crianças em hospitais do Afeganistão

Uma pesquisa sobre segurança alimentar realizada por organizações humanitárias na área do governo local de Kaita, no estado de Katsina, antes do início da estação de escassez, no começo de 2025, revelou que mais de 90% das famílias reduziram o número de refeições que consumiam diariamente.

Em todo o norte do país, outros fatores agravam a crise, como:
• Baixa cobertura vacinal;
• Pouca disponibilidade e acessibilidade dos serviços básicos de saúde;
• Índices socioeconômicos acentuados pela insegurança e violência.

 

Resposta precisa incluir apoio nutricional e médico

“A maneira mais urgente de reduzir o risco de morte imediata por desnutrição é garantir que as famílias tenham acesso a alimentos”, diz Emmanuel Berbain, referente em nutrição de MSF. “Isso pode ser feito por meio da distribuição em larga escala de alimentos ou suplementos nutricionais, como realizamos atualmente na área de Mashi, ou por meio da distribuição de dinheiro quando e onde for possível.”

A capacidade de cuidar e tratar crianças com desnutrição também precisa ser ampliada, tanto aumentando o número de leitos nas unidades de saúde quanto fornecendo financiamento e acesso a alimentos terapêuticos prontos para uso (ATPU).

• Veja: o que é o alimento terapêutico pronto para uso (ATPU)?

Essas ações devem ser realizadas com prioridade nas áreas onde as necessidades – ou seja, os índices de desnutrição infantil – são maiores.

Zainab, profissional de MSF, fornece alimento terapêutico para Maryam, filha de Shamsiya, no centro de nutrição terapêutica ambulatorial em Unguwa Uku, no estado de Kano. ©Abba Adamu Musa/MSF

Pessoas com mais de 5 anos de idade, que também são cada vez mais afetadas pela desnutrição, mas atualmente não recebem qualquer assistência, também precisam ser incluídas nos programas de prevenção.

Em 8 de julho, o vice-presidente da Nigéria, Kashim Shettima, alertou publicamente sobre a gravidade da crise no país, advertindo que a desnutrição priva quase 40% das crianças menores de 5 anos de seu pleno potencial físico e cognitivo. Ele descreveu a situação como uma emergência nacional que exige ação urgente e coletiva.

MSF tratou mais de 300 mil crianças com desnutrição em sete estados do norte da Nigéria em 2024, um aumento de 25% em relação ao ano anterior.

Somente no noroeste, onde combatemos a doença nos estados de Sokoto, Kebbi, Katsina e Zamfara, já tratamos quase 100 mil crianças que sofrem de desnutrição aguda grave e moderada em centros de tratamento ambulatorial, nos primeiros seis meses de 2025, e internamos cerca de 25 mil crianças com desnutrição.

 

*O edema nutricional é o tipo mais grave de desnutrição. É caracterizado por deficiência proteica avançada e inchaço devido à retenção de líquidos.

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