Direto do Sudão do Sul: coordenador do projeto de MSF relata a situação de violência no país

“O ataque em Pibor foi muito grave. Há três dias, enquanto estava na estrada indo para o sul, vi que metade das aldeias pelas quais passamos estava queimada”, conta Karel Janssens

Meu nome é Karel Janssens e sou coordenador de projeto de MSF em Pibor, no Sudão do Sul. No condado de Pibor, MSF está oferecendo assistência médica em três clínicas: uma em Pibor, uma em Lekwongole e uma em Gumruk. E essas três unidades são a única fonte de cuidados de saúde para as 160 mil pessoas que vivem no condado.

Nossa equipe foi retirada de Pibor no dia 23 de dezembro, quando ficamos sabendo de um ataque iminente em Lekwongole e em Pibor. No dia de Natal, Lekwongole foi atacada; poucos dias depois, Pibor também foi.

No dia 7 de janeiro, a equipe de MSF retornou a Pibor e reiniciou as atividades médicas. Poucos dias depois, no dia 13, eu fui pessoalmente a Lekwongole, onde vi nossa clínica completamente queimada. As paredes e o teto ainda estão lá, mas todo o resto foi queimado. E Lekwongole agora se tornou uma “aldeia fantasma”, completamente queimada. Não há nem uma cabana inteira. Apenas alguns cães vira-latas, alguns pássaros e poucas pessoas vagam por essa paisagem tão sinistra.

Nós decidimos retornar a Lekwongole com uma equipe médica há três dias. Desde então, estamos realizando consultas médicas para as pessoas que ainda ficaram nos arredores de Lekwongole, porque ninguém se arrisca a voltar. Não apenas porque não sobrou nada, mas também porque as pessoas estão com medo de outros ataques. As pessoas só saem da mata ao redor para tentar pegar algum alimento que foi deixado na pista de pouso e, desde que nós voltamos, para se consultar com nossas equipes.

Uma das maiores dificuldades para reiniciar nossas atividades se deve ao fato de que nossas equipes locais, os profissionais do Sudão do Sul, foram tão afetadas pela violência quanto o resto da comunidade – 27 deles ainda estão desaparecidos.

Três semanas após os ataques, nós ainda estamos atendendo pacientes com ferimentos causados por armas de fogo ou que se machucaram enquanto fugiam da violência. Quase metade dos pacientes que atendemos está com malária. Há casos de diarreia e infecções respiratórias, o que é uma consequência clara da fuga para a mata porque ao fugir da violência, as pessoas passaram a dormir ao relento, sem mosquiteiros.

O ataque em Pibor foi muito grave. Há três dias, enquanto estava na estrada indo para o sul, vi que metade das aldeias pelas quais passamos estava queimada.

Mas eu também tenho que dizer que este não é o primeiro ataque que ocorre no estado de Jonglei. Ano passado houve vários ataques, aqui no condado de Pibor e também em Pieri, uma área no norte de Pibor. As equipes da época enfrentaram os mesmos problemas que nós: o hospital foi saqueado, equipes foram retiradas, muitos feridos, entre eles muitas mulheres e crianças. Essa não é a primeira vez que isso acontece. É um problema recorrente em todo o estado de Jonglei.

Depois desse depoimento, dois profissionais de MSF foram localizados; outros 25 continuam desaparecidos

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