Dia do calazar: Índia cria data de combate à doença

MSF pede mais atenção ao tratamento da enfermidade que afeta entre 250 e 300 mil pessoas todos os anos

O Estado de Bihar, no nordeste da Índia, é um dos locais de maior incidência do calazar no mundo. Também conhecido como leishmaniose visceral, o calazar é uma doença tropical negligenciada que mata cerca de 50 mil pessoas anualmente. Por isso, o Ministério da Saúde local declarou o dia 15 de março, como o Dia de Combate ao calazar. O objetivo é conscientizar mais pessoas sobre a doença, que quando não tratada pode ser fatal. Nesta data, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede aos governos dos países onde a doença é endêmica que aumentem o acesso a ferramentas de diagnóstico e ao tratamento de calazar.

Geralmente, o calazar afeta as populações mais pobres e vulneráveis do mundo, ainda que existam diferentes questões a serem abordadas dependendo de cada contexto. No leste da África, a situação dos pacientes com a doença é ainda mais grave devido a possíveis epidemias de outras enfermidades com alta taxa de mortalidade, à pandemia de HIV/Aids e à fragilidade dos sistemas de saúde de muitos países. No sul da Ásia, o medicamento para tratamento do calazar mais utilizado, o glucantime, tem eficácia muito limitada, o que se deve em parte ao aumento da resistência – resultado do fato de que muitos pacientes não completam o ciclo completo de tratamento.

“No nosso projeto em Bihar, costumamos receber pacientes que já estão doentes há muito tempo. Muitos deles visitaram curandeiros tradicionais, ou foram a clinicas privadas, mas nenhum foi diagnosticado ou tratado corretamente. E, às vezes, o custo do tratamento pode levá-los a um enorme endividamento. Por isso, quando chegam a nós, normalmente estão em péssimo estado de saúde”, disse Bjom Nissen, coordenador de projeto de MSF na Índia.

Desde 2007, MSF coordena um projeto de diagnóstico e tratamento gratuitos de calazar no distrito de Vaishali, em Bihar. Até o momento, a organização já tratou mais de nove mil pacientes com a doença, e a taxa de cura no projeto é de 98%.

Na Índia, assim como em todos os projetos de MSF voltados para o calazar, a organização mostrou que é possível diagnosticar e tratar pacientes com a doença, com altas taxas de cura, mesmo em lugares remotos. Os Ministérios da Saúde de países onde a enfermidade é endêmica devem implementar estratégias adequadas para expandir o acesso ao diagnóstico e tratamento da doença.

Em regiões como o sul da Ásia, isso seria feito por meio da ampliação do acesso a outros tratamentos, com medicamentos mais seguros e eficientes, como anfotericina B lipossomal (L-AmB, na sigla em inglês) ou outras combinações terapêuticas, segundo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Comitê de Especialistas em Leishmaniose. Atualmente, os estoques de miltefosina, medicamento de primeira linha utilizado na Índia – também recomendado pela OMS –, estão em falta em diversas regiões do país onde o calazar é endêmico. MSF está muito preocupada com os pacientes que precisam de tratamento e agora correm o risco de ficar sem medicamentos essenciais, e espera que a questão seja resolvida o mais rápido possível.

No Brasil, país que responde por aproximadamente 90% de todos os registros de calazar da América do Sul, cerca de 3,5 mil novos casos são registrados todos os anos. A enfermidade, típica de áreas rurais, está se deslocando para áreas urbanas brasileiras e se expandindo pelo país.   

O grande desafio é melhorar o tratamento, que além de muito demorado, é de alta toxicidade e exige internação. Por isso, a DNDI, organização criada por MSF, juntamente com a Universidade de Brasília e o Centro de Pesquisa René Rachou – FioCRUZ (MSG), está trabalhando em um estudo de combinação de medicamentos que possam ser usados em pacientes com calazar melhorando a efetividade sem causar tantos  efeitos adversos.

É necessário um aumento dos financiamentos internacionais para combater a doença, para que os programas nacionais de controle de diversos países sejam fortalecidos. Assim, os pacientes terão acesso a tratamentos de melhor qualidade. Também são necessários mais recursos para pesquisa e desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico e medicamentos melhores, mais eficazes e mais simples.

“Esperamos que o Dia de Combate ao Calazar em Bihar nos ajude a conscientizar mais o mundo  sobre as necessidades desses pacientes tão vulneráveis, que precisam de melhores ferramentas de diagnóstico e tratamento”, disse Nines Lima, médico referente de MSF para calazar. “Hoje, a maioria dos pacientes não tem acesso fácil ao tratamento. Isso é inaceitável, e precisamos mudar essa realidade.”

O calazar é transmitido pela mordida do mosquito-palha. A doença é endêmica em 76 países, e estima-se que afete entre 250 e 300 mil pessoas do mundo todos os anos, sendo que 90% dos casos são registrados na Índia, em Bangladesh, no Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Brasil. Como acontece com todas as doenças negligenciadas, o calazar afeta principalmente as populações mais pobres, que tem pouco ou nenhum poder político. Sem tratamento, praticamente todos os pacientes com a doença acabam morrendo. No entanto, se diagnosticados e tratados a tempo, quase todos são curados, mesmo os que vivem em regiões remotas ou onde os recursos são limitados.

Desde 1988, MSF tratou mais de 100 mil pacientes com calazar, principalmente no Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Quênia, Somália, Uganda, Índia e Bangladesh. No estado de Bihar, na Índia, MSF trata seus pacientes com a anfotericina B lipossomal, um medicamento muito seguro e eficaz.

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