“Depois de uma agressão sexual, as primeiras 72 horas são essenciais para a saúde do sobrevivente”

Neste intervalo de tempo, é possível evitar gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis. Mas, no México e em Honduras, sobreviventes de violência sexual enfrentam barreiras para receber os cuidados adequados a tempo

“Depois de uma agressão sexual, as primeiras 72 horas são essenciais para a saúde do sobrevivente”

Tanía Marín, coordenadora médica regional de Médicos Sem Fronteiras (MSF) para México e Honduras, explica as consequências médicas, psicológicas e sociais de uma agressão sexual; a importância de falar sobre o assunto com adolescentes; e a necessidade urgente de eliminar barreiras culturais, a fim de reduzir o impacto a longo prazo à saúde. Todos os serviços de MSF são gratuitos e confidenciais.

Por que MSF decidiu concentrar seu trabalho no México e em Honduras em sobreviventes de violência sexual?

MSF está concentrando seu trabalho em sobreviventes de violência sexual devido à magnitude do problema na região. Isso é pouco reportado nas estatísticas oficiais porque a maioria dos sobreviventes não procura atendimento médico. Há também uma lacuna entre o setor de saúde pública e o terceiro setor no atendimento aos sobreviventes, o que limita seu acesso aos cuidados, quando deveria ser algo abrangente.

Em que o trabalho de MSF com sobreviventes de violência sexual consiste?

Temos uma equipe de atendimento prioritário composta por médicos, profissionais de saúde mental e assistentes sociais que podem oferecer cuidados imediatos a mulheres que sofreram violência sexual. Os médicos podem tratar ferimentos físicos e verificar se há infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV, e gravidez indesejada. A equipe de saúde mental oferece terapia de acompanhamento e os assistentes sociais podem responder a qualquer pergunta sobre as necessidades de proteção e qualquer outra necessidade que possa surgir.

A equipe de promoção de saúde fornece informações sobre a violência sexual e seu impacto, e como a violência sexual se manifesta nas comunidades em que trabalhamos. Eles também treinam funcionários de hospitais e centros de saúde públicos no México e em Honduras e colaboram com organizações locais e nacionais para melhor coordenar o trabalho e a atenção dada aos sobreviventes de violência sexual. Em Honduras, MSF faz parte de um comitê técnico que cria um protocolo nacional para atendimento de emergência a sobreviventes de violência sexual.

Quantos sobreviventes de violência sexual MSF atendeu em Honduras e Reynosa, no México, em 2018?

Em 2018, atendemos 675 sobreviventes de violência sexual em Honduras e no México. Infelizmente, devido à falta de informação e às barreiras físicas, sociais e culturais que as mulheres enfrentam, a maioria das pacientes chega depois de 72 horas após a agressão.

Por que é importante que recebam atendimento médico nas primeiras 72 horas após a agressão?

Porque este é o intervalo de tempo durante o qual podemos prevenir gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV. É também o período em que as sobreviventes mais necessitam de atendimento psicológico e apoio social.

Por que MSF se concentra na importância de receber atenção médica a tempo?

Existe um protocolo de atendimento de emergência para mulheres que sobreviveram à violência sexual, que inclui a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. Por exemplo, se a paciente não receber terapia antirretroviral nas primeiras 72 horas, ela poderá contrair o HIV. Se ela não receber a pílula anticoncepcional de emergência, pode ter uma gravidez indesejada.

É importante mencionar que, mesmo após as 72 horas, qualquer sobrevivente ainda deve procurar tratamento médico e psicológico, incluindo serviços sociais.

As equipes multidisciplinares de MSF também cuidam de vítimas de outros tipos de violência.

Quais barreiras impedem que os sobreviventes cheguem até MSF dentro das 72 horas?

Nas sociedades mexicana e hondurenha, a violência sexual é estigmatizada. Temos visto muitas agressões sexuais onde o agressor estava dentro da casa do sobrevivente. Muitas vezes é um membro da família ou um amigo próximo. Então, o fato de mencionar que o agressor está dentro de casa pode ser uma limitação, pois várias vezes existe uma dependência econômica ou problemas familiares. Outra barreira é o erro de acreditar que, para receber atendimento médico, os sobreviventes devem primeiro fazer um boletim de ocorrência. É bom fazer uma ocorrência, mas não é obrigatório e o sobrevivente de uma agressão sexual receberá cuidados abrangentes de qualquer forma.

Quais grupos são afetados mais frequentemente por violência sexual?

Sabemos que não atendemos todos os sobreviventes de violência sexual por causa das barreiras que mencionei antes. A maioria daqueles que MSF atende são mulheres, mas isso não significa necessariamente que os homens também não sofram violência sexual. Devido a estereótipos de gênero ou ideias errôneas sobre masculinidade, os homens geralmente não procuram atendimento. Outro grupo pouco relatado são meninos e meninas menores de idade que dependem de seus pais ou de outros cuidadores, que não confiam neles ou não podem tratá-los como se as agressões fossem culpa deles.

Vocês têm casos de gravidez na adolescência devido a agressões sexuais?

Em 2018, em nosso projeto em Tegucigalpa (capital hondurenha), 9% das pacientes estavam grávidas quando chegaram ao serviço prioritário. Desses casos, 90% nos disseram que a gravidez era consequência de uma agressão sexual, e 19% delas tinham menos de 18 anos de idade. Sabemos que uma gravidez na adolescência tem um grande risco de complicações e o grupo mãe-filho é mais vulnerável. No entanto, esse risco pode ser reduzido se as mulheres receberem a pílula anticoncepcional de emergência a tempo.

Como vocês trabalham para alcançar os jovens?

Uma parte importante do nosso trabalho é divulgar informações sobre saúde sexual e reprodutiva e ensinar sobre sexualidade nas escolas. Em Choloma, Honduras, realizamos workshops em escolas que explicam, por exemplo, o que é consentimento, diferentes tipos de violência e outros tópicos. Trabalhamos com jovens, professores e pais. Agora, estamos implementando o programa “Serviços Amigos”, um modelo de atendimento destinado a fornecer aos adolescentes informações e serviços relacionados a saúde sexual e reprodutiva de forma independente, quando eles solicitam.

Quais são os desafios para este programa?

Os desafios são ter mais abertura para debater sobre saúde sexual e reprodutiva e tornar os serviços mais acessíveis, seja fornecendo informações ou facilitando o atendimento médico e psicológico aos pacientes.

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