De Ruanda ao Zaire: um ciclo de extrema violência

Equipes de Médicos Sem Fronteiras enfrentam episódios intensos de violência na região dos Grandes Lagos, na África

De Ruanda ao Zaire: um ciclo de extrema violência

Entre 1994 a 1997, as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que prestaram assistência em um contexto de extrema violência e massacres na região dos Grandes Lagos viram-se diante de uma sucessão de situações sem precedentes para a organização. Até então, as equipes atuavam sobretudo em campos de refugiados e centros de saúde a alguma distância dos combates e massacres. Quando o genocídio contra os ruandeses da etnia tutsi foi iniciado, as equipes de MSF em Kigali e em outros lugares do país presenciaram as primeiras execuções. Quase 200 profissionais ruandeses que trabalhavam para MSF foram assassinados, alguns deles na frente de seus colegas. Quando as equipes finalmente conseguiram reunir os recursos necessários para realizar uma operação de ajuda médico-humanitária –  neste caso, um programa cirúrgico – os pacientes foram mortos diante de seus olhos ou algumas horas depois de irem embora.

 

Após a derrota militar no verão de 1994, quando membros daetnia tutsi chegaram ao poder, os autores do genocídio recuaram para o Zaire, seguindo o mesmo caminho traçado por centenas de milhares de hutus ruandeses que fugiram de seu país porque haviam sido ameaçados ou temiam represálias. Os membros das equipes de MSF não só tiveram que lidar com um desastre de saúde causado pelos efeitos combinados da cólera e disenteria, mas também com a violência provocada pelos milicianos que tiveram de fugir de Ruanda mas tomaram o controle dos campos de refugiados. Em 1995, vendo que a ajuda humanitária estava sendo desviada em benefício dos perpetradores do genocídio, MSF tomou a decisão de suspender seu trabalho nos campos do Zaire (atual República Democrática do Congo). Esses campos foram, então, atacados pelo recém-formado exército ruandês e seus aliados congoleses. Refugiados hutus foram caçados, muitas vezes por centenas de quilômetros, e depois executados. As equipes de MSF, que se tornaram mais e mais vocais ao denunciar essas atrocidades, às vezes involuntariamente serviam como isca para incitar os refugiados a saírem das florestas onde estavam escondidos.

 

Sob essas condições, e diante do genocídio e dos crimes em massa, como as equipes de MSF reagiram? Elas pediram uma intervenção militar, condenaram uma situação inaceitável, ficaram em acampamentos onde a ajuda foi desviada e avaliaram os riscos envolvidos em ajudar as pessoas ameaçadas de morte.

Estas foram as muitas questões que as equipes de MSF tiveram que enfrentar, tanto em campo quanto em discussões internas da organização.

 

LINHA DO TEMPO

1994

6 de abril. O avião que transportava o presidente ruandês Juvénal Habyarimana, da etnia hutu, é abatido, dando início ao genocídio contra os tutsis, acusados pela sua morte.

 

22 de abril. MSF condena a retirada das forças de paz da ONU (UNAMIR) de Ruanda.

18 de maio. MSF pede às autoridades francesas que exerçam sua influência sobre seus aliados ruandeses para dar um fim aos massacres.

 

24 de maio. MSF presta depoimento à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o genocídio perpetrado em Ruanda.

 

18 de junho. MSF pede a intervenção armada da ONU contra os responsáveis pelo genocídio.

 

23 de junho. A França e seus aliados lançam a Operação Turquesa em Ruanda com um mandato do Conselho de Segurança da ONU para intervir militarmente entre os beligerantes – mas não para confrontar os responsáveis pelo genocídio.

 

4 de julho. O Exército Patriótico Ruandês (APR, na sigla em francês, da etnia tutsi) toma Kigali e Butare.

13 de julho. Várias centenas de milhares de refugiados ruandeses chegam a Goma, no Zaire.

 

27 de julho. 20 mil pessoas que agora vivem em acampamentos em Goma morrem de cólera.

 

30 de setembro. Equipe internacional de MSF é ameaçada no campo de Katale, em Goma, e MSF retira suas equipes da região.

 

18 de novembro. O centro operacional francês de MSF se retira dos campos de refugiados ruandeses no Zaire.

 

1995

Dezembro. As últimas equipes de MSF se retiram dos campos de refugiados ruandeses no Zaire.

 

1996

18 de outubro. A Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire (AFDL) torna-se oficial. Laurent Désiré Kabila é o porta-voz.

 

26 – 27 de outubro. O APR ataca os campos de refugiados ruandeses de Kibumba e Katale, no Kivu do Norte.

 

31 de outubro. O APR e a AFDL tomam Goma e MSF evacua suas equipes dois dias depois.

 

8 de novembro. MSF pede zonas de proteção civil e intervenção militar internacional.

 

15 de novembro. O APR ataca o campo de Mugunga, no Kivu. Entre 400 e 700 mil refugiados fogem para Ruanda.

 

15 de dezembro. MSF presta assistência em Tingi-Tingi (Zaire), onde quase 70 mil refugiados procuraram abrigo.

 

1997

7 de janeiro. A taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos em Tingi-Tingi é de 50%.

 

7 de fevereiro. Dada a proximidade da frente de batalha, MSF não está mais presente de forma permanente em Tingi-Tingi.

 

2 de março. O APR e a AFDL tomam Tingi-Tingi e 160 mil refugiados fogem.

 

15 de março. O APR e a AFDL tomam Kisangani. Organizações de ajuda humanitária, incluindo MSF, haviam se retirado duas semanas antes.

 

A primavera assiste a uma sucessão de massacres perpetrados contra refugiados em fuga entre Kisangani e Mbandaka.

 

26 Abril. MSF divulga comunicado à imprensa: “Três propostas para acabar com a política de extermínio de refugiados ruandeses no Zaire.”

 

20 de maio. A imprensa publica extratos de um relatório do MSF denunciando o desaparecimento de 190 mil refugiados ruandeses no Zaire.

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