Darfur: Necessidades não estão sendo atendidas em Zalingei

Médicos Sem Fronteiras volta à região, desta vez com uma clínica especializada na saúde de mulheres e crianças

Várias ONGs estão trabalhando em Zalingei, no oeste de Darfur, cada uma com seu setor de atividade e áreas geográficas bastante precisas. No papel, tudo parece estar bem organizado. No entanto, depois de dois anos de ausência, MSF precisa voltar à região.

Depois de transferir suas atividades sanitárias em 2005 para acampamentos administrados por outros organismos, para se concentrar em casos críticos nos hospitais, MSF está se preparando para abrir uma clínica voltada para a saúde da mulher e da criança no acampamento para deslocados internos de Zalingei. Já em 2007, dois centros de nutrição foram abertos, um em setembro no acampamento de Hamedia, e outro no acampamento de Hassa Hissa, em dezembro. Cada uma das unidades abriga cerca de 40 mil deslocados internos.

A decisão de voltar a uma estrutura dentro de um acampamento foi decidida depois de um significante aumento do número de casos de desnutrição aguda severa, registrado no hospital desde maio.

Em 2007, a gravidade da situação nutricional era comparável à registrada em 2004, quando a assistência humanitária foi iniciada. No entanto, atividades de distribuição parecem estar bem definidas, entre distribuição de comida e programas nutricionais operados por várias estruturas nos acampamentos.

Necessidades longe de serem atendidas

No papel, o sistema parece eficaz: cada organização trabalha em sua especialidade em áreas individuais. Cada semana, todos os envolvidos compartilham informações sob a supervisão da Organização e Coordenação de Assistência Humanitária (OCHA, na sigla em inglês), uma agência das Nações Unidas.

"A divisão das tarefas e a estratégia para cada organização são claramente definidas e, aparentemente, tudo está sob controle. No entanto, as necessidades estão longe de serem atendidas", explica Saif Ebrahim, coordenador do programa de MSF em Zalingei.

"A assistência apresenta dois grandes problemas: o primeiro é a concentração das atividades nos acampamentos. Isso deixa várias áreas descobertas, particularmente as populações que vivem nas áreas rurais, devido à insegurança das estradas".

"O segundo é que quando as organizações humanitárias não enfrentam grandes problemas de acesso, como nos acampamentos, os níveis de assistência caem em relação às necessidades. O problema – provavelmente comum a todas as organizações humanitárias que trabalham em Zalingei – é justamente a falta de reação à situação em constante mudança nos acampamentos de deslocados internos: o que costumava funcionar nos primeiros dias, agora já não dá mais resultado".

Segurança e recém-chegados

Durante os encontros semanais freqüentados por todos os atores humanitários em Zalingei, dois assuntos são abordados sistematicamente: segurança e recém-chegados.

"Novas famílias têm chegado regularmente há muito tempo", explica Saïf. "Não é mais uma questão de fluxo maciço, como ocorria nos primeiros dias do conflito, mas de chegadas contínuas menos visíveis, que tem intensidade variada".

Desde dezembro, houve um aumento significativo, com a chegada de entre mil a 2 mil deslocados por mês. O que estamos vendo são grupos de famílias chegando um após o outro, de alguns vilarejos que até então haviam sido poupados durante os últimos quatro anos de conflito.

"Esses grupos disseram que estão se tornando mais vulneráveis porque as forças de segurança do governo deixaram a área e roubos e atos de violência estão aumentando não apenas nas estradas, mas também nos limites das cidades e até mesmo nos vilarejos. Essas famílias fogem para os acampamentos em busca de segurança e recebem assistência".

No entanto, quando chegam essas famílias não recebem ajuda das organizações humanitárias e, por vários meses, é a própria população deslocada que têm dividido seus próprios alimentos e abrigos com os recém-chegados.

Além disso, alguns não são reconhecidos como deslocados internos porque não apresentam o mesmo perfil que as populações deslocadas de 2004 – formada essencialmente por fazendeiros, cujos vilarejos foram atacados e completamente destruídos. Conseqüentemente, eles têm mais dificuldades em obter ajuda, seja alimentar ou outro tipo de assistência.

Milhares de crianças nascidas nos acampamentos também são vítimas dessa falta de reconhecimento. Desde 2004, nenhuma criança foi incluída no plano de distribuição de alimentos. Apesar da população nos acampamentos aumentar continuamente, os serviços correspondentes – pontos de água ou unidades de saúde – não acompanham esse crescimento.

Qualidade: um tabu

"Somos um estado pela metade", explicou Fabrice Weissman. Nesses dias não há grandes emergências, como ocorreu em 2004, como os grandes deslocamentos populacionais ou epidemias. Algumas organizações devem ter problemas em mobilizar o mesmo nível de recursos e manter a qualidade dos serviços.

"Mas nos acampamentos que abrigam dez mil pessoas ou mais, se não ficarmos alertas, a desnutrição vai aumentar rapidamente, como nós observamos, ou uma epidemia de cólera ou sarampo pode surgir".

As condições de vida cada vez piores são atribuídas não apenas à pressão da chegada de novas famílias, mas também a problemas na qualidade da assistência. Por exemplo, rações de comida distribuídas pelo Programa Mundial de Alimentação são definidas em, precisamente, 100 gramas. Na verdade, nós últimos meses houve uma redução na composição e na quantidade das rações de comida distribuídas às populações deslocadas.

A situação, atribuída a problemas de abastecimento e transporte, continua. Outro problema envolve a abertura de clínicas nos acampamentos: há a ameaça de menos um dia por semana. Às vezes, as famílias deslocadas simplesmente recebem uma prescrição e a instrução para comprar os medicamentos no mercado.Além disso, não há mais distribuição de sabonete.

"No entanto, uma vez que as necessidades aparentemente só são respondidas em teoria, é difícil ou até mesmo impossível para que outra organização atue. Esses problemas, além da alta densidade populacional dos acampamentos, e outras falhas na qualidade e quantidade de ajuda oferecida, compostas por uma distribuição rígida de tarefas entre as organizações, são preocupantes e não estão melhorando".

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