Darfur: Insegurança causada por confrontos deixa áreas inacessíveis e povo sem assistência

Chefe de missão de Médicos Sem Fronteiras em Oeste de Darfur, Jean-Sébastien Matte, fala sobre a trabalho no Sudão

Dois milhões de pessoas continuam a viver nos campos de deslocados e o ataques contra as organizações humanitárias prejudicam o socorro.

Como você descreveria a situação dos deslocados internos em Darfur?

As condições de vida são melhores que há três anos, mas começaram a piorar há cerca de um ano e meio. No fim de 2003, começo de 2004, eu fazia parte da equipe que deu início às atividades de MSF em Oeste de Darfur. Comparado com aquela época, há muito mais organizações humanitárias em Darfur agora. A quantidade de água e alimentos distribuídos aumentou e as pessoas têm abrigo. Mas a superlotação ainda existe e o material de primeira necessidade que foi distribuído (cobertores, barracas, kits de higiene e comida, etc) não é renovado há cerca de um ano e meio.

Os dois milhões de deslocados continuam inteiramente dependentes da ajuda exterior. Os acampamentos onde vivem, que podem abrigar até 100 mil pessoas, são verdadeiras prisões a céu aberto. Sair para buscar lenha para cozinhar é sempre muito perigoso para as mulheres. Quanto aos homens, pouquíssimos se aventuram a sair, mesmo para procurar um hospital do governo, porque eles têm medo de serem considerados aliados de um ou outro grupo rebelde e serem presos. Os deslocados de Darfur estão em uma situação insustentável.

O nível de insegurança é tão grande quanto no passado?

A situação piorou bastante depois de maio deste ano. Em vez de levar à paz, o acordo assinado nesta data entre o governo do Sudão e um dos grupos rebeldes produziu o efeito contrário. As facções não-signatárias estão fragmentadas e lutam entre elas, o que afeta a população e também a nós, trabalhadores humanitários.

Os incidentes envolvendo as organizações de ajuda se multiplicaram nos três meses passados. Ataques, surras, roubos: nós estamos nos tornando cada vez mais alvos de agressões. Depois de maio, mais de 12 incidentes mortais envolvendo todos os grupos humanitários foram registrados, um número maior do que o obtido nos últimos dois anos.

Qual o impacto disso sobre nossas atividades?

Nós chegamos a desenvolver atividades que beneficiam até 200 mil pessoas em Niertiti, Zalingei e Mornay. Mas nossas atividades foram suspensas e isso certamente não é bom. Hoje, a crescente insegurança nos impede de passar pela estrada que liga nossos três projetos. Desde o fim de setembro, não conseguimos mais levar de carro os pacientes de Mornay e de Niertiti que precisam de uma cirurgia para o hospital de referência de Zalingei.

Também devido à insegurança, não temos mais acesso a Djebel Marra, região montanhosa no centro de Darfur, zona rebelde onde vivem mais de 100 mil pessoas. Em meados de setembro, em meio a uma epidemia de cólera, tivemos de sair de Kutrum, onde atendíamos os doentes.

Ao partir, deixamos material no local e estamos tentando monitorar a situação. Mas com certeza há centenas de casos e muitas pessoas morrendo devido à falta de atendimento. Não temos como verificar a taxa de mortalidade por cólera, mas acreditamos que seja bastante alta.

Toda a zona Norte de Darfur está fora de nosso alcance e nem o governo, nem os diferentes grupos rebeldes vão nos deixar ter acesso. As populações civis têm acesso à água, comida, medicamentos? Não sabemos!

Quais são as perspectivas para os próximos meses, tanto para os trabalhadores humanitários quanto para a população de Darfur?

Vamos continuar a trabalhar nos campos de deslocamos onde ainda nos for permitido. A insegurança continua a ser um problema real porque nossas equipes são afetadas pelas conseqüências de um discurso duplo. De um lado, a comunidade internacional faz com que os deslocados acreditem que as tropas das Nações Unidas são capazes de restabelecer a paz. De outro, as autoridades respondem a uma propaganda que mostra os estrangeiros como protagonistas de "uma nova cruzada ". Dessa forma, esses dois discursos fazem com que nossas equipes se tornem alvo de atos violentos. Nós precisamos que as partes envolvidas no conflito respeitem nosso trabalho humanitário.

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