Cuidados de saúde para a comunidade pela comunidade na República Democrática do Congo

Os benefícios do engajamento comunitário para o contexto de saúde no nordeste do país

Seção do sítio de deslocados em Ugudo Zii, zona sanitária de Angumu. Foto por: Gabriele François Casini / MSF

Angumu é uma área montanhosa na província de Ituri, no nordeste da RDC, próximo à fronteira com a Uganda. Este é um lugar remoto e chegar às comunidades de lá pode ser um desafio. As poucas estradas que atravessam a floresta montanhosa lembram leitos de rios secos, irregulares e cheios de pedras soltas que tornam a direção difícil e lenta, principalmente na época das chuvas, quando a lama espessa torna algumas delas intransitáveis.

Em 2018, a violência e os desastres naturais nas regiões vizinhas fizeram com que dezenas de milhares de pessoas se mudassem para Angumu. Eles encontraram abrigo em áreas próximas a vilarejos e ao longo de estradas, criando vários acampamentos para pessoas deslocadas, cada um abrigando milhares de pessoas.

Na época, MSF estimou que mais de 42 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas em busca de segurança e, portanto, decidiu começar uma resposta de emergência. Desde então, o número de pessoas deslocadas em Angumu aumentou dramaticamente e atualmente chega a quase 80 mil.

Se as pessoas não conseguem chegar às instalações de saúde, os cuidados de saúde devem ser levados às pessoas

“Assim que chegamos, percebemos imediatamente que havia um número muito alto de pessoas com malária, com taxas de mortalidade muito altas”, diz Frederic Manantsoa, coordenador-geral de MSF na RDC. “Também percebemos que era muito difícil para as pessoas terem acesso aos serviços de saúde necessários, já que a região é muito remota e montanhosa. Pensamos que, se as pessoas não conseguem chegar às unidades de saúde, devemos reverter a situação e levar os serviços de saúde às pessoas”.

Para fazer isso de forma sustentável, MSF atuou com o Ministério da Saúde do país para implementar um projeto baseado no forte envolvimento da comunidade. “O projeto se concentra em uma abordagem comunitária avançada com o objetivo de dar aos membros da comunidade a responsabilidade sobre suas próprias necessidades de saúde. Há uma ampla participação do Ministério da Saúde e da comunidade. Eles são nossos parceiros, não beneficiários que recebem assistência. Eles são responsáveis por sua própria saúde e, como parceiros, eles compartilham a responsabilidade no projeto”.

Três componentes norteiam

Essa configuração se baseia em três componentes fundamentais. Os primeiros são os retransmissores comunitários (RECOs; abreviação). Seu papel é educar os membros da comunidade sobre várias questões de saúde, incluindo: boa higiene e planejamento familiar, como prevenir doenças como malária e diarreia e o que fazer no caso de alguém ficar doente, além dos serviços médicos disponíveis para eles na área. Os RECOs são olhos e ouvidos ativos em sua comunidade, monitorando as necessidades das pessoas e a situação geral de saúde.

Se alguém precisar de atenção médica, há um incentivo para que consultem os locais de saúde de retransmissores comunitários (RECOSITEs), o segundo componente. Os RECOSITEs foram treinados em como responder a casos de malária, desnutrição e diarreia, e podem administrar tratamento básico no local ou encaminhar as pessoas para um centro de saúde mais avançado.

O terceiro componente são os comitês de gestão de unidades de saúde (COGESITEs). Esses comitês coordenam todos os aspectos práticos e administrativos dos locais de saúde comunitária, como horários de trabalho e garantia de que os serviços sejam gratuitos. RECOs, RECOSITEs e membros dos COGESITEs são voluntários eleitos por suas próprias comunidades para desempenhar essas importantes funções. Eles são treinados, monitorados e apoiados por MSF, em cooperação com o Ministério da Saúde.

Suprimentos, treinamentos e acompanhamentos para apoiar hospital

Atualmente, em Angumu, MSF oferece suprimentos, treinamentos e acompanhamento para apoiar o hospital geral regional, junto com sete centros de saúde e 13 locais de saúde comunitários localizados próximos aos acampamentos de deslocados.

“Quando MSF chegou, enfrentamos um grande número de casos graves porque as pessoas chegavam ao hospital quando já estavam muito doentes”, disse David Mahomou Nyankoye, coordenador de enfermagem de MSF em Angumu. “Agora, os membros da comunidade estão mais atentos e com muito mais rapidez para buscar atendimento. Eles se familiarizaram com o sistema de centros de saúde comunitários que implementamos. Agora, eles agem precocemente, antes que a doença avance, e isso tem causado uma clara redução no número de mortes”. Atualmente, os centros de saúde comunitários realizam cerca de sete mil consultas por mês.

Foco na prevenção

Em um ambiente onde a malária é endêmica e as condições de vida são precárias, a prevenção da saúde é extremamente importante. Desde o início do projeto, MSF realizou atividades preventivas em grande escala, como administração em massa de medicamentos e pulverização residual interna, durante a qual medicamentos antimaláricos são distribuídos para comunidades, casas e abrigos são pulverizados com inseticidas e as equipes distribuem redes mosquiteiras. Ao aumentar a conscientização sobre a malária e outras doenças, os RECOs também desempenham um papel importante na sua prevenção.

Pascal mora no local para deslocados Ugudo Zii e foi eleito pela comunidade como RECO: “Vou de porta em porta e mostro às pessoas boas práticas que podem ajudar a prevenir doenças. Muitos problemas vêm da água, que não é armazenada corretamente e então se torna um local de reprodução para mosquitos e pode ser contaminada, causar diarreia e outros problemas de saúde. Em outras vezes, a gente reúne as pessoas e conversa com elas sobre vacinação, planejamento familiar e critérios de admissão nos postos de saúde. Tenho orgulho do que faço, e minha comunidade aprecia isso. Práticas de higiene adequadas e o conhecimento certo fazem uma grande diferença”.

Os RECOs são apoiados em seu trabalho por promotores de saúde (PSs) de MSF, que treinam e monitoram seu trabalho. “Quando alguém me faz uma pergunta difícil que não sei responder, procuro os PSs para que possam vir comigo e ajudar a dar as informações certas às pessoas. Organizamos nosso trabalho e planejamos nossas atividades em conjunto com os PSs”.

“Isso nos permite ter vigilância e alertas precoces para que possamos atuar a tempo de prevenir surtos e outras emergências, ou pelo menos minimizar ao máximo a necessidade de respostas emergenciais. Com o tratamento precoce de casos simples na comunidade, reduzimos consideravelmente o número de casos complicados e graves que precisam de tratamento nos centros de saúde e no hospital”, diz Frederic Manantsoa.

Apoio às unidades de saúde

Nos centros de saúde e no hospital geral regional de Angumu, os profissionais de MSF representam cerca de 35% da equipe e apoiam os profissionais do Ministério da Saúde local em seu trabalho. Equipes de MSF realizam tratamento da malária para todas as faixas etárias, serviços de saúde mental, serviços de saúde reprodutiva, incluindo planejamento familiar e tratamento de casos de desnutrição moderada. Para ajudar as pessoas a chegarem aos centros de saúde, MSF implantou um sistema de encaminhamento com motocicletas e ambulâncias, que podem transportar rapidamente os pacientes dos locais de saúde comunitária para os centros de saúde ou para o hospital.

Além disso, MSF oferece apoio a sobreviventes de violência sexual. Isso é feito em cooperação com os comitês de proteção presentes em cada local para pessoas deslocadas, que apoiam sobreviventes de violência sexual.

Virginie fugiu do conflito na região de Musongwa e chegou a Ugudo Zii há sete meses. Ela é membro do comitê de proteção do local: “Em um acampamento de deslocados densamente povoado, as mulheres são muito vulneráveis e os incidentes de violência sexual são frequentes. Trabalhamos em estreita cooperação com os RECOs e, juntos, direcionamos os sobreviventes aos RECOSITEs, que por sua vez entram em contato com MSF para que a pessoa possa receber cuidados médicos e apoio de saúde mental. Tudo isso é feito de forma confidencial e isso é muito importante porque os sobreviventes tendem a sofrer estigma e se sentirem envergonhados. Agradecemos o apoio oferecido por MSF”.

O engajamento comunitário precisa acontecer em todos os níveis

A colaboração com a comunidade não se limita a atividades de sensibilização ou à gestão de pacientes com malária, diarreia e desnutrição. Também envolve a construção de instalações e infraestrutura, incluindo postos de saúde comunitários, latrinas e poços, a distribuição de itens essenciais, como sabão e redes mosquiteiras, e a gestão de medicamentos em postos de saúde comunitários.

Abdurakhman Bodian é o coordenador de promoção da saúde de MSF em Angumu. Ele testemunhou as mudanças que essa abordagem trouxe: “Quando começamos nossa resposta, MSF estava fazendo de tudo, até mesmo o transporte de água na comunidade. Isso não era sustentável, especialmente porque há muito poucas organizações trabalhando em Angumu. Hoje, conseguimos empoderar a comunidade e chegamos ao ponto em que toda a construção e outros esforços logísticos são feitos em cooperação com eles. MSF fornece o material necessário e a comunidade faz o resto. A participação é inclusiva desde o início, desde a construção até a gestão dos postos de saúde. Aqui encontramos uma comunidade muito engajada e organizada, o que tornou tudo mais fácil”.

MSF agora está trabalhando para desenvolver ainda mais a resiliência da comunidade e ajudá-los a se tornarem mais independentes no que diz respeito ao gerenciamento de todos os aspectos de sua saúde. Os comitês que operam nos vários locais de deslocados representam uma boa oportunidade para MSF delegar certos aspectos da resposta e aumentar o nível de empoderamento da comunidade. “Estamos tentando criar mecanismos resilientes”, diz Abdurakhman. “As fontes de água e sua cloração podem ser gerenciadas pelo comitê de higiene, por exemplo. Temos que analisar os vários componentes da comunidade e sua capacidade e ver a melhor forma de delegar funções. Descentralizar o máximo de atividades possível na comunidade aumentará a probabilidade de os mecanismos permanecerem em funcionamento no dia seguinte à saída de MSF”.

Resultados encorajadores

Frederic Manantsoa está satisfeito com os resultados até agora: “Quando comparamos a coleta de dados que fizemos no início sobre o número de mortes em Angumu com os dados mais recentes, percebemos uma diferença significativa. Se não fosse por esse sistema que implantamos, a situação não teria mudado. A colaboração entre MSF, o Ministério da Saúde e a comunidade em Angumu se tornou muito próxima e estável. Acho que esse tipo de projeto tem futuro. Precisamos desenvolvê-lo e aproveitar tudo o que aprendemos, porque acredito que é uma das melhores abordagens para MSF na RDC. Não devemos esquecer que cerca de 80% da população vive em áreas rurais com acesso muito limitado aos cuidados de saúde. Portanto, este tipo de abordagem comunitária parece ser o mais adequado para atender às necessidades de saúde das pessoas”.

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