Cuidados de saúde flexíveis a comunidades pastoris somalis

Clínicas móveis semanais atendem a população afetada pela seca

Cuidados de saúde flexíveis a comunidades pastoris somalis

Na manhã de quintas-feiras, equipes das clínicas móveis de Médicos Sem Fronteiras (MSF) deixam a cidade de Wardher com dois Landcruisers em direção a Ton-Habalan, um vilarejo remoto a duas horas de distância em estradas de areia vermelha. Três equipes móveis, compostas por um chefe de enfermagem, um supervisor de sensibilização comunitária, um assistente de nutrição, uma obstetriz, clínicos médicos, um farmacêutico e motoristas, oferecem cuidados de saúde primária em 17 locais remotos na zona de Doolo, uma região árida e pouco povoada na parte mais oriental da região somali da Etiópia, na fronteira com a Somália.

A vegetação ao longo da rota está seca, em tons de cinza e marrom. A escassez de água é perceptível por toda a parte. É final de março, a época mais quente e seca do ano, quando as temperaturas sobem rapidamente acima de 40 graus Celsius na região árida. Dificilmente algum veículo circula e, de tempos em tempos, o comboio passa por camelos e cabras. No rádio, o motorista do primeiro carro frequentemente alerta o carro seguinte em somali a dirigir com cautela para não assustar ou atingir o precioso gado. “Geel, geel, geel”, o motorista adverte para camelos, “adhi, adhi, adhi”, para cabras; só uma vez ele diz “gaariga” para um carro que se aproxima.
 

Água escassa significa um ato de equilíbrio para a vida

A vida pastoril na região somali significa mover-se de um lugar para outro, procurando água e pasto para alimentar o gado. Com o quase inexistente acesso a fontes confiáveis de água não afetadas pelo clima árido, todos os aspectos da vida dependem das principais chuvas sazonais, que normalmente ocorrem em abril. As chuvas, quando chegam, se acumulam em lagoas chamadas “berkit”, fornecendo água para os seres humanos e seus animais. As chuvas também trazem pastagens para alimentar o gado, que por sua vez fornece leite e carne, o alimento básico da região. Camelos e cabras são fundamentais para a cultura e sobrevivência somali em condições climáticas extremas e adversas.

A falta de água é uma realidade diária na zona Doolo. O comboio de MSF ocasionalmente passa por uma criança ou adulto com um balde de plástico amarelo, indo buscar água. Um menino para os carros e pede água para beber. Ele parece desidratado e ainda tem uma caminhada de cerca de 25 quilômetros à frente até o berkit mais próximo, que ainda não secou, para buscar água para ele e sua família.

Duas horas depois, a equipe instala sua clínica móvel sob uma grande árvore no vilarejo de Ton-Habalan, uma visão rara no ambiente árido. As folhas verde-acinzentadas da árvore proporcionam sombra para a equipe e seus pacientes no calor crescente e sufocante. A clínica móvel semanal é o único serviço de saúde na área, oferecendo cuidados de saúde primária, pré-natais e de maternidade, rastreamento de desnutrição infantil e distribuições de suplementos alimentares mensais às famílias de crianças desnutridas.

O vilarejo é lar de talvez 420 famílias e muitas outras famílias pastoris vivem espalhadas pela mata da região, que vêm regularmente ao vilarejo para trocar produtos básicos como açúcar, chá, água, ferramentas e itens de cozinha simples em troca de animais, leite e carne. Muitas conversas entre pacientes nesta manhã circulam em torno de berkits vazios e as chuvas aguardadas ansiosamente, e o que poderia acontecer se elas falhassem novamente.

 

Calor e falta de água tornam condições difíceis

Muhabba, de 38 anos, caminhou por duas horas com seu filho pequeno até a clínica. Na semana anterior, o menino estava muito doente e fraco para andar, com febre e uma infecção na garganta. A febre diminuiu, então ele pode fazer a longa caminhada desta vez.

“As secas anteriores erradicaram muito do nosso gado”, diz Muhabba, enquanto espera pela consulta do filho. “Na mata, todos fomos afetados. Apenas alguns animais sobreviveram. Tenho sorte que pude criar um pouco do meu rebanho novamente. Eu agora tenho 18 cabras. É tudo que tenho. Precisamos das chuvas para sobreviver. Esperamos que Deus nos traga boas chuvas este ano para que nós e nossos animais continuemos vivos.”

Durante a devastadora seca na região somali em 2017, 75% da pecuária foi perdida. Desde então, a maioria dos rebanhos de gado não voltou ao tamanho de vários anos atrás.

O clínico de MSF, Abdi Abdullahi Abshir, examina um menino com amigdalite. “Alguns de nossos pacientes andam três horas para chegar até nós”, diz ele. “A maioria das queixas de saúde hoje em dia está relacionada com o clima quente e seco, as difíceis condições de vida na mata e a água escassa e suja. Hoje a equipe observou principalmente infecções do trato respiratório superior. Também tratamos muitas mulheres com infecções do trato urinário.”

 

Oferecendo cuidados de saúde urgentemente necessários em uma área isolada

Acontece que é um dos dias mais agitados desde que MSF começou a oferecer assistência médica em Ton-Habalan em 2018. As comunidades sabem cada vez mais sobre os serviços e toda semana vêm mais pacientes. Às 14h, a equipe já atendeu 208 pacientes, quando é hora de concluir pelo dia, fazer as malas, e retornar à base de MSF na cidade de Wardher.

No caminho de volta, o comboio pega um antigo paciente. “O jovem tem diabetes insulinodependente e foi tratado por MSF quando estávamos trabalhando no hospital Wardher no ano passado”, diz o chefe de enfermagem de MSF, Maren. “Agora damos a ele uma carona sempre que passamos por ele em sua caminhada de seu vilarejo de Wal-Wal para Warhder. Nos demais dias da semana, ele precisa caminhar 12 quilômetros até o hospital para receber sua dose diária de insulina, que precisa ser resfriada em uma geladeira. É impossível ele manter insulina em casa, pois seu vilarejo não tem eletricidade.”

Nesta região isolada, mesmo em circunstâncias normais, é quase impossível obter atendimento de emergência a tempo. O sistema de saúde existente não atende aos pastores, que estão continuamente em movimento. As distâncias até os cuidados de saúde são enormes e podem ser fatais. As pessoas têm que andar por horas a pé, ou às vezes, mas raramente, em camelos.

Só algumas ambulâncias estão disponíveis para atender uma população de mais de 300 mil pessoas na zona de Doolo, que estão dispersas ao longo de uma vasta área sem estradas pavimentadas. Na maioria das vezes, as estradas são destruídas ou usadas para outras finalidades pelas autoridades. Isso força as pessoas a encontrar meios alternativos de transporte, o que muitas vezes envolve reunir fundos para abastecer veículos particulares, que são raros e não estão disponíveis na maioria dos locais. Sem transporte público ou dinheiro para pagar, os mais pobres e mais vulneráveis são incapazes de acessar cuidados a tempo.

MSF oferece serviços móveis de saúde primária em 17 clínicas, como a do vilarejo de Ton-Habalan. A configuração móvel permite que as equipes mudem de local rapidamente, seguindo as comunidades pastoris para locais onde não existem postos de saúde. Desde o início de 2019, o número de pacientes aumentou consistentemente. Um bom indicativo de que alcançamos os locais e as comunidades certos. Até o final de março, as equipes de MSF haviam tratado mais de 4.500 pacientes, principalmente para infecções do trato respiratório superior, infecções de pele e infecções do trato urinário. O número de mulheres grávidas que procuram cuidados pré-natais dobrou para mais de 400 consultas em março. A ambulância de MSF encaminhou uma média de cinco pacientes em estado de emergência, quinzenalmente, ao hospital na cidade de Wardher. Muitos encaminhamentos de emergência são mulheres grávidas com complicações ou com trabalho de parto obstruído.

O fracasso das estações de chuvas nos últimos anos causou secas prolongadas e persistentes. As famílias pastoris afetadas começaram a viajar longas distâncias em busca de água, comida e pastagem. Fontes de alimentos e água instáveis e pouco confiáveis, condições de vida pouco higiênicas em locais apertados para pessoas deslocadas próximas a vilarejos e cidades, em conjunto com a cobertura precária dos serviços de saúde, levaram não só a tensões, mas também a surtos de doenças, desnutrição e perda de vidas e de gado. Se as chuvas falharem novamente este ano, o equilíbrio frágil poderá rapidamente se transformar em uma emergência, colocando em risco a saúde e a vida dos mais vulneráveis na zona de Doolo, pastores nômades e comunidades deslocadas.

 

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MSF trabalha na região somali da Etiópia desde os anos 1980, apoiando várias instalações de saúde do governo.

 

Na zona de Doolo, MSF trabalhava no hospital Wardher e em centros de saúde em Danod e Lehel-Yucub desde 2007. MSF repassou as atividades nessas instalações para parceiros locais em 2018. Desde então, as atividades concentram-se nos cuidados de saúde primária abrangente por meio de clínicas móveis, envolvimento comunitário, vigilância e atividades de promoção de saúde para uma área extensa e para populações remotas, além de preparação para emergências e gestão de resposta a surtos de doenças. MSF mantém 17 clínicas móveis, que oferecem serviços médicos ambulatoriais, e mais de 30 locais de vigilância em áreas remotas para detecção precoce de surtos de doenças e resposta a tempo a emergências.

 

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