Criatividade permite que MSF trate mais crianças com Aids. Enormes desafios permanecem

Falta de formulações pediátricas de antiretrovirais, testes de diagnóstico para identificar a presença do HIV em crianças e outros instrumentos para o monitoramento, dificulta o acesso das crianças aos tratamentos disponíveis para adultos

Rio de Janeiro / Genebra, Quarta-feira, 27 de julho de 2005 – A organização Médicos Sem Fronteiras está conseguindo tratar com sucesso um número cada vez maior de crianças com HIV/Aids, de acordo com dados dos projetos de tratamento em 11 países apresentados durante uma sessão “Late Breaker” (temas selecionados em última hora por sua grande relevância) na 3a Conferência da Sociedade Internacional de Aids (IAS), no Rio de Janeiro. Os resultados clínicos de MSF são bons, apesar do fato de que os testes de diagnóstico e os medicamentos disponíveis atualmente são mal adaptados para o uso em crianças.

“Temos o compromisso de tratar mais crianças, mesmo que não existam medicamentos fáceis de usar produzidos com este objetivo, e que precisemos improvisar soluções", disse Pierre Humblet, coordenador da equipe internacional de Aids de MSF. “Embora os resultados clínicos apresentados no Rio de Janeiro sejam encorajadores, para que haja um aumento substancial do número de crianças sob tratamento, novos e melhores exames para diagnóstico e monitoramento, assim como medicamentos adaptados para crianças são urgentemente necessários”.

MSF apresentou os dados de um grupo de 1.840 crianças com menos de 13 anos de idade, da África, Ásia e da América Latina. O estudo foi realizado em 22 projetos de MSF em 11 países (1) . Todos os pacientes receberam regimes de tratamento com antiretrovirais recomendados pela OMS. Para atingir um maior número de crianças, as equipes de MSF iniciaram o tratamento com base em critérios clínicos ou imunológicos definidos pela OMS.

Até março de 2005, 83,9% das crianças sob tratamento estavam vivas e sob tratamento. A probabilidade de sobrevivência após seis meses era de 94% e ainda de 91% após 24 meses.

A saúde das crianças que participaram deste estudo melhorou de uma forma geral: elas ganharam uma média de 4 quilos após 18 meses. Apenas 5,5% dos pacientes tiveram efeitos adversos, e um número ainda menor precisou de tratamento alternativo. O sistema imunológico das crianças estudadas se recuperou bem: 73% das crianças tinham uma contagem de CD4 acima de 15% após 12 meses.

Embora esses resultados sejam bastante encorajadores, há ainda enormes lacunas no que se refere a instrumentos de diagnóstico e formulações pediátricas que impedem a ampliação generalizada do acesso das crianças ao tratamento. Este é um problema para MSF também, já que apenas cerca de 6% dos nossos 40 mil pacientes recebendo tratamento potente contra Aids em todo o mundo são crianças.

“Os testes de HIV disponíveis atualmente nos países em desenvolvimento não funcionam em crianças com menos de 18 meses de vida – isto significa que nem todas são diagnosticadas e crianças acabam morrendo desnecessariamente,” disse Dr Felipe Garcia de la Vega, pediatra e especialista em HIV/Aids da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF.

Mais recursos para desenvolver novos testes são necessários. Para ajudar a superar os obstáculos que existem na assistência às crianças que vivem com HIV/Aids, MSF pretende acelerar o desenvolvimento de novos testes de diagnóstico, apoiando projetos promissores que carecem de ajuda adequada e de parceiros. A organização tentará tanto identificar as necessidades específicas e uso desses testes como ajudar na validação dos novos testes.

Esforços para tratar crianças com HIV/Aids ainda são prejudicados pela falta de formulações pediátricas apropriadas. As crianças recebem xaropes com gosto ruim ou pó que precisa ser dissolvido em água potável, sendo que já é difícil medir líquidos com exatidão. Não há combinações pediátricas de dose fixa e em alguns projetos as crianças mais velhas, capazes de ingerir comprimidos, precisam partir os comprimidos de combinações fixas para adultos.

“Somos obrigados a encontrar soluções criativas quando administramos o tratamento em crianças", disse Felipe Garcia. Os profissionais de saúde esmagam comprimidos de adultos, partem os comprimidos ao meio, para achar a dose adequada para a criança, já que as combinações de dose fixa para as crianças não estão disponíveis. A este desafio se acrescenta a falta de recomendações claras como, por exemplo, uma tabela com as dosagens corretas para o tratamento de uma criança com HIV/Aids.

“Apesar dos desafios, mais crianças devem receber o tratamento com antiretrovirais para aumentar e melhorar a sua qualidade de vida", disse Felipe Garcia. "Pode ser difícil, mas é uma responsabilidade que nós, e outros profissionais de saúde, não podemos evitar". MSF desafia os profissionais de saúde, cientistas, governos e organizações internacionais a tomarem todas as medidas possíveis para melhorar a assistência das crianças que vivem com HIV/Aids no mundo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 15% das pessoas em tratamento para o HIV/Aids sejam crianças. Há 2,2 milhões de crianças infectadas pelo HIV no mundo. Mas devido à falta de instrumentos para diagnóstico e formulações pediátricas, apenas uma pequena parcela das crianças com HIV/Aids necessitando de tratamento está recebendo antiretrovirais capazes de prolongar suas vidas. Como conseqüência, metade de todas as crianças com Aids morre antes de chegar aos dois anos de idade.

(1) – Burkina Faso, Camboja, China, Guatemala, Honduras, Quênia, Laos, Malawi, Moçambique, Tailândia e Uganda

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