Crianças HIV-positivo na RDC: uma jornada dolorosa e invisível

Os cuidados de HIV pediátrico permanecem negligenciados na República Democrática do Congo

Crianças HIV-positivo na RDC: uma jornada dolorosa e invisível

Um mural conta uma história

No final de 2018, a equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF), munida de tintas e pincéis, organizou um dia de diversão e sorrisos para jovens na ala pediátrica da internação mantida por MSF no Hospital Central Kabinda, em Kinshasa, que é especializada no tratamento de HIV avançado ou Aids. Juntos, profissionais e pacientes pintaram as paredes quase vazias da unidade com mensagens inspiradoras, a fim de trazer um pouco de alegria para a difícil e muitas vezes solitária jornada dessas crianças que vivem com HIV.

As crianças são o grupo mais negligenciado na resposta ao HIV, especialmente em toda a África Central e Ocidental. Cerca de 7% dos pacientes gravemente doentes que chegam à unidade de internação são crianças e adolescentes, variando de alguns meses até os 14 anos de idade. Em 2018, 144 crianças foram hospitalizadas na ala pediátrica da unidade de Aids, com 8% chegando tarde demais para serem salvas. Algumas crianças podem passar várias semanas no hospital, algumas sem um cuidador permanente para apoiá-las durante a doença intensa.

Cada criança hospitalizada representa uma jornada longa, dolorosa e invisível em um sistema de saúde que não conseguiu impedir sua infecção, ou diagnosticá-la, tratá-la e apoiá-la se for soropositiva em direção a uma vida adulta saudável.

Programas ainda precários e falta de testes de HIV para crianças

Acredita-se que cerca de 51 mil[1] crianças com menos de 14 anos estejam vivendo com o vírus HIV na República Democrática do Congo (RDC). A maioria das infecções pediátricas ocorre durante a gravidez e a amamentação, se a mãe seropositiva não estiver tomando antirretrovirais. Isso pode ser porque a mãe nunca fez teste de HIV ou porque ela desenvolveu resistência ou interrompeu seu tratamento, ou até porque foi infectada durante a gravidez em si. Em geral, as pessoas que vivem com HIV enfrentam enormes desafios quanto ao tratamento, incluindo falta de medicamentos e estigma.

Nas estruturas de saúde apoiadas por MSF em Kinshasa, as equipes ainda diagnosticam crianças com HIV, o que significa que ainda existem lacunas na prevenção de transmissão de HIV das mães para seus filhos recém-nascidos. A falta de conscientização entre a equipe de saúde e as novas mães sobre HIV pediátrico também afeta a regularidade dos testes das crianças. Muitas crianças só são diagnosticadas com HIV anos após a infecção, quando ficam gravemente doentes e são admitidas no hospital para tratamento.

Em todo o mundo, 50% das crianças que nascem com HIV morrem antes dos dois anos de idade. Os outros 50% progridem lentamente em direção à Aids, com atrasos graves em seu desenvolvimento neurológico e físico, além do risco de contrair múltiplas doenças.

Tratamento

Estes enormes desafios significam que apenas 34%[2] das crianças com suspeita de HIV estão em tratamento na RDC. Atualmente, existem poucos tratamentos adequados para HIV que podem ser tolerados em todo o espectro dos primeiros anos. As composições existentes para crianças são principalmente em forma de xarope, têm gosto ruim, são difíceis de dosar e podem precisar ser refrigeradas. Os antirretrovirais mais novos e melhores só são registrados para adultos e chegam em dosagens para no mínimo 20 quilos.

Divulgação

Os “sortudos” que são diagnosticados e submetidos ao tratamento de HIV muitas vezes não são informados de que têm HIV ou porque tomam pílulas diárias. O estigma em torno da doença é tão alto na RDC que muitas pessoas que vivem com HIV nunca contam a ninguém sobre sua condição. Os pais de crianças soropositivas muitas vezes temem que o filho conte aos outros, revelando assim a sua própria condição de HIV. Se os pais morrem, os padrastos ou cuidadores frequentemente abandonam ou negligenciam a criança, temendo humilhação da comunidade. A lei congolesa só permite que profissionais de saúde informem a criança sobre sua condição de HIV a partir dos 18 anos de idade ou com o consentimento dos pais, exceto quando seja de melhor interesse que elas saibam. Muitos só fazem a descoberta traumática por acidente, o que frequentemente afeta seu desejo de permanecer em tratamento, o que pode levá-los a chegarem gravemente doentes na ala pediátrica de MSF.

No Centro Hospitalar Kabinda (CHK), em Kinshasa, MSF presta serviços ambulatoriais e de internação para crianças, adolescentes e adultos vivendo com HIV. Até o final de fevereiro de 2019, 370 crianças e adolescentes estavam recebendo apoio ambulatorial. Em 2018, mais de 140 crianças com HIV avançado foram hospitalizadas na ala pediátrica de quatro leitos do hospital de Aids de MSF.

Além dos cuidados médicos, MSF também oferece apoio psicossocial aos jovens e suas famílias e organiza sessões em grupo para aumentar a conscientização sobre a importância do tratamento para maximizar a adesão ao tratamento entre pacientes jovens.



[1] UNAIDS, 2017.

[2] UNAIDS, 2017

 

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