“A COVID-19 aumentou a incerteza não só sobre o futuro, mas também sobre o presente”

Confira o depoimento da psicóloga Amparo Villasmil, que atua com MSF na Palestina

“A COVID-19 aumentou a incerteza não só sobre o futuro, mas também sobre o presente"

*A imagem acima é de um atendimento realizado em agosto de 2019.

Amparo Villasmil é psicóloga do projeto de saúde mental de MSF em Hebron, na Palestina. Ela está no local desde 2019 e atualmente faz parte da equipe de apoio remoto às pessoas afetadas pelo surto de COVID-19. Confira seu depoimento abaixo:

“A atual epidemia de COVID-19 expõe as pessoas a vários riscos. Podemos ser infectados e infectar outras pessoas. Podemos ter que nos isolar ou ver nossos familiares hospitalizados, mesmo sem poder visitá-los e apoiá-los, ou, no pior dos casos, podemos até perder nossos entes queridos sem a possibilidade de realizar um funeral. As pessoas também podem perder seus empregos e enfrentar dificuldades financeiras. Mas na Palestina, tudo isso se soma aos efeitos de viver sob ocupação há muito tempo. Aqui, a pandemia exacerbou sentimentos de ansiedade, frustração e incerteza, não apenas sobre o futuro, mas também sobre o presente.
Tornou-se muito difícil para as pessoas lidar com essa situação.

O surto trouxe severos bloqueios a Hebron e, embora ter que viver com a mobilidade limitada seja difícil em todos os cantos do mundo, aqui na Palestina isso também se traduz em severas restrições de trabalho, já que muitos palestinos trabalham em Israel. Para muitos deles, o fato de não poderem sustentar a família e ter dificuldade para comprar alimentos ou remédios gera muito estresse. Outra fonte de preocupação é o estigma associado ao vírus e o que isso significa na comunidade. Além de causar rejeição e aumentar o isolamento, ter COVID-19 pode reduzir ainda mais as escassas oportunidades de superar a difícil situação econômica.

Desafios do apoio psicológico em tempos de COVID

MSF tem fornecido apoio à saúde mental desde 2001 em Hebron, mas a pandemia de COVID-19 nos pressionou a ajustar nossa intervenção. Para além da nossa população-alvo habitual, aqueles que sofrem de problemas de saúde mental associados à violência, iniciamos consultas por telefone a pessoas que vivem o estresse mental e problemas de ansiedade devido à pandemia. Temos um serviço de linha direta gratuita para a área de Hebron, onde os pacientes recebem suporte de nossos conselheiros e psicólogos. Estamos buscando alguns grupos especialmente afetados pelo surto, como equipe médica, pacientes com COVID-19 e seus parentes ou pessoas em quarentena. Nosso objetivo é ajudá-los a fortalecer seus mecanismos de enfrentamento a essa nova situação.

Com a nossa atividade, procuramos ajudar os nossos beneficiários a restaurar algum sentido de rotina e normalidade, para que pelo menos encontrem alguma estabilidade nesses tempos de incerteza.

Obviamente, a consulta psicológica por telefone apresenta alguns desafios. Pode ser mais difícil garantir a confidencialidade e um lugar seguro e privado para falar livremente. A maioria de nossos pacientes mora em casas com suas famílias, praticamente sem privacidade, o que torna muito desconfortável para eles falar abertamente ao telefone sobre experiências e sentimentos dolorosos.
Esse problema é especialmente perceptível em vítimas de violência doméstica ou sexual, ou em pacientes que sofrem de distúrbios graves que aumentam a importância do contato próximo com o terapeuta.

Outro grande desafio para as terapias de grupo feitas por telefone é que elas exigem que todos os envolvidos morem no mesmo lugar. E se forem feitas por meio de uma plataforma de reunião virtual, exigem boa conexão à Internet e familiaridade com as novas tecnologias, o que nem sempre nossos beneficiários possuem. Um desafio adicional tem sido o acompanhamento de nossos pacientes infantis (cerca de um terço de nossos beneficiários habituais), que é mais desafiador por meio da terapia remota. Nesses casos, pedimos a seus pais que se envolvam mais no tratamento, pois eles se tornam pontes essenciais entre o terapeuta e o paciente.

Apesar de todos esses problemas, nossa equipe tem conseguido realizar mais de 70 sessões de aconselhamento e psicoterapia por semana, além de sessões específicas de primeiros socorros para 60 beneficiários extras todas as semanas. Nossa intenção é continuar alcançando nossos pacientes e garantir que estamos aqui para ajudar para que eles possam entrar em contato.
Esse é um projeto focado na saúde mental, mas obviamente procuramos maneiras adicionais de apoiar autoridades, comitês locais e outras organizações e estamos distribuindo kits de higiene e realizando sessões de conscientização e prevenção sobre a COVID-19 para ajudar a proteger a própria comunidade contra o vírus.”

 

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