Cirurgiões de MSF tratam feridos do Iraque

Organização oferece atendimento cirúrgico para civis iraquianos em hospital do Crescente Vermelho em Amã, na Jordânia

A explosão de um carro-bomba feriu quase a metade do rosto do menino Ahmed, de apenas oito anos, afetando seu olho esquerdo e fazendo com que seu pé esquerdo tivesse de ser amputado. Ahmed ficou tão desfigurado pelo bombardeio ocorrido em outubro do ano passado que seu pai e seu tio passaram meia hora no mesmo quarto de hospital de Bagdá sem reconhecê-lo. O menino, em choque devido à explosão, não conseguia falar.

"Ele estava ali sozinho", contou o pai de Ahmed com a ajuda de um intérprete. "Ele sofreu uma amputação sem ter o acompanhamento da família. Ninguém o conhecia. Ele era apenas uma criança dentro do hospital". Levaram-se três dias para que pai e filho se reunissem.

Após ser submetido a diversos procedimentos para reconstruir sua face, sem sucesso, incluindo enxertos de pele, Ahmed e seu pai chegaram no Hospital do Crescente Vermelho em Amã, na Jordânia, em dezembro de 2006, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) administra um programa de cirurgia reconstitutiva para iraquianos feridos de guerra desde agosto do ano passado. Em abril de 2007, a jovem vítima já tinha sido submetida a duas longas microcirurgias e tinha marcadas mais três outras para realizar a reconstituição de seu nariz e lábios. Ahmed é apenas um dos 210 pacientes internados no programa desde sua abertura.

MSF começou a fornecer medicamentos essenciais e materiais médicos para um grupo de hospitais dentro do Iraque. Ainda assim, a unidade de Amã – onde a maioria da equipe é composta por cirurgiões iraquianos – é a tentativa mais direta da organização de ajudar os iraquianos, desde que MSF foi forçada a deixar o país em novembro de 2004, devido à crescente insegurança.

Sistema de saúde falho

O sistema de saúde do Iraque é um dos grandes prejudicados pela violência no país. Hospitais, especialmente em Bagdá, não têm medicamentos suficientes, materiais cirúrgicos ou até mesmo eletricidade. Além das necessidades materiais, a Associação Médica Iraquiana estima que, de 34 mil médicos registrados antes de 2003, mais da metade deixou o país e pelo menos dois mil foram mortos.

“É quase impossível agora realizar uma operação no Iraque", contou Dr. Bassam, um cirurgião ortopédico iraquiano que trabalha para MSF. "Além disso, muitos médicos foram para o norte ou deixaram o país, à procura de um lugar mais seguro. Como resultado, há cada vez menos especialistas e, acima de tudo, eles têm se tornado alvos. Muitos deles foram seqüestrados depois que a guerra começou em 2003. Eles estão entre a cruz e a espada".

Esses fatores somam-se ao devastado sistema de saúde iraquiano. Esse cenário é observado quase que diariamente: depois de um ataque com muitos danos, as unidades médicas iraquianas ficam lotadas de feridos. Muitas vezes os pacientes são enfaixados, estabilizados e enviados para casa, manifestando complicações médicas depois. Algumas pessoas têm medo de serem atendidas em hospitais administrados por algum partido político ou facção religiosa ou por grupos armados.

“Temos problemas muito sérios com todo o sistema médico de emergência, desde quando ocorre o ferimento, passando pela evacuação, salas de emergência até as cirurgias finais ou eletivas" conta o Dr. R., coordenador médico de MSF em Amã e um dos principais cirurgiões ortopédicos. "Vemos muitos casos de ferimentos não diagnosticados ou tratados de maneira inapropriada e muitos exemplos de complicações, porque as cirurgias deviam ter sido realizadas de outra maneira".

Chegando em Amã

Amã oferece um ambiente seguro, no qual os cirurgiões de MSF podem trabalhar e os pacientes, como Ahmed, podem se recuperar das cirurgias. Uma rede de cirurgiões no Iraque transfere os pacientes para o programa. O histórico de cada paciente é cuidadosamente revisado pela equipe de MSF. Uma vez que o paciente entra no programa, MSF providencia todo o transporte e documentos necessários para transferi-lo para Amã, um processo difícil e que leva tempo.

Procedimentos modernos para ferimentos devastadores

A complexidade e gravidade dos ferimentos das vítimas da guerra do Iraque exigem a realização das técnicas cirúrgicas mais sofisticadas e inovadoras que hoje existem. Para reparar a face de Ahmed, os cirurgiões de MSF usaram enxertos da pele e dos músculos das costas de Ahmed. Os cirurgiões maxilofaciais de MSF usam modelos de computadores tridimensionais para planejar a operação e prepará-la.

“Para casos plásticos, lidamos com queimaduras sérias, cicatrizes e contraturas (falta de mobilidade)", conta Dr. R. "Não estamos fazendo cirurgias estéticas. Estamos lidando principalmente com cirurgias funcionais. Temos cirurgias que duram entre 11 e 12 horas. Alguns dos pacientes precisam de seis ou sete cirurgias e eles ficam internados entre quatro a seis meses".

Infecções resistentes a medicamentos

Cerca de metade dos pacientes que precisam de procedimentos ortopédicos chegam em Amã com infecções graves nos ossos ou machucados que, geralmente, são resistentes a vários antibióticos. A falta de higiene nos hospitais do Iraque e atrasos significantes nos atendimentos tornam os pacientes suscetíveis a infecções.

"Estamos recebendo pacientes do Iraque com infecções muito complicadas", diz Dr. R. "No Iraque, a má administração e o uso errado de antibióticos levam ao surgimento de bactérias resistentes. Essas bactérias são resistentes a quase todos os antibióticos, exceto um ou dois. E essa nova geração de antibióticos é muito cara".

Apenas o começo

Em média, 40 novos pacientes chegam no programa de Amã a cada mês. MSF tem por objetivo mais do que duplicar a capacidade do programa. Mesmo quando isso ocorrer, o trabalho realizado por MSF vai equivaler a uma fração do número de civis iraquianos em necessidade urgente de atendimento cirúrgico apropriado. Outras equipes de MSF estão estudando maneiras de levar assistência direta aos iraquianos que ainda estão em áreas em conflito.

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