“A assistência médica não deve ser um luxo”

A epidemiologista finlandesa Marissa está no Iêmen, onde anos de conflito tiveram um impacto devastador no sistema de saúde

A epidemiologista finlandesa Marissa está no Iêmen, onde anos de conflito tiveram um impacto devastador no sistema de saúde

Visitar nossos hospitais apoiados aqui e conhecer pacientes junto com os médicos é verdadeiramente revelador.  
Nos hospitais na Finlândia, pode-se ter bastante segurança de que quem precisa de cuidados médicos urgentes tem a chance de sobreviver, graças à disponibilidade de todos os equipamentos médicos necessários para realizar tratamentos que salvam vidas. Isso é um luxo, embora devesse ser algo disponível para todos.  

Os dois principais tipos de pacientes que você vê aqui são pessoas com ferimentos a bala e recém-nascidos com desnutrição.  Ambas são cenas que você raramente encontraria nos hospitais finlandeses.
 
Luta pela vida
Um dos dias mais desafiadores que tive foi quando visitei a sala de emergência do hospital que apoiamos. Eu estava sentada em uma sala silenciosa, onde um médico local me ensinava a ler curvas de monitoramento cardíaco. De repente, ele foi chamado para entrar na sala de emergência.  

Um morador local havia encontrado um bebê recém-nascido, com apenas algumas horas de vida, em seu jardim, abandonado.  

No momento seguinte, vi uma equipe de médicos tentando ressuscitar essa pequena criatura. Tantos pensamentos passaram pela minha mente. Não se tratava apenas de ver a luta de um recém-nascido pela vida, observando seus sinais vitais diminuirem diante de mim, mas também imaginando o que a mãe teria que passar.  
Por mais estranho que seja, às vezes o primeiro sentimento é mais raiva do que tristeza. As pessoas não deveriam ter que morar em algum lugar onde não existem serviços básicos. Uma criança recém-nascida não deve ter que lutar pela vida nas primeiras horas de sua existência.  

No mesmo dia, conheci uma mulher que trouxe sua filha de nove anos para o hospital. A filha era uma menina linda. Ela parecia um pouco desorientada, com lágrimas escorrendo pelo rosto.  
A mãe explicou que estava coletando lenha para fazer fogo e acidentalmente derrubou os troncos na cabeça da menina.  

Meu tradutor local me explicou que há escassez de combustível. Coisas como gás se tornaram muito caras devido ao conflito. Muitos habitantes locais não podem mais arcar com os custos e, em vez disso, passam a usar lareiras em casa para cozinhar e aquecer-se.

Uma casa temporária
Como trabalhador da ajuda humanitária, você se integra às pessoas e ao país onde trabalha. Seus colegas não são apenas seus colegas de trabalho, são seus amigos íntimos que às vezes até parecem ser membros da família.  

O país onde você fica, embora por um período relativamente curto, se torna sua casa. Ouvir histórias de pessoas e ver os efeitos da guerra, incluindo um sistema de saúde em colapso, é uma das partes mais desafiadoras.  

Eu ouvi histórias horríveis sobre o que as pessoas tiveram que ver e suportar. Desistir de seus sonhos, perder membros da família, ser privados de sua juventude e viver com medo constante ao ouvir aviões no céu.  
No entanto, todos os dias essas mesmas pessoas começam a trabalhar com um sorriso no rosto, perguntando-me como podem ajudar. Nunca para de me surpreender como as pessoas com tão pouco são algumas das mais generosas que você conhece.  

Mel e balas
A cultura iemenita é incrivelmente rica e as pessoas são extremamente amigáveis.

Alguém uma vez expressou que o país é como mel e balas; em termos metafóricos e literais.

O mel produzido neste país é um dos melhores do mundo; é como a doçura do seu povo. No entanto, há o aspecto da guerra e da violência. Onde quer que você vá, os homens estão armados.

Alguns podem dizer que passei algum tempo em um lugar em que sou menos livre; não posso andar lá fora e preciso me cobrir quando sair do complexo.  

Para mim, no entanto, voltei a perceber o incrível nível de resiliência que os seres humanos possuem. Essa experiência me fez perceber o que é verdadeiramente importante na vida.
 

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