Arquiteto maranhense inicia diário sobre missão em Moçambique

Em entrevista, Marcio Aragão conta como é o trabalho de um profissional não-médico dentro de MSF

Arquiteto especializado em projetos ambientais, o maranhense Marcio Aragão, 29 anos, sempre gostou de ajudar quem necessita. Seu primeiro trabalho foi como professor em comunidades desfavorecidas cariocas. Depois de trabalhar por cinco anos em empresas privadas, integra hoje a equipe de logística de Médicos Sem Fronteiras e está em Moçambique, onde trabalhará em um projeto de combate a HIV/Aids por nove meses. "É muito gratificante. A ideia de voltar a trabalhar ajudando pessoas sempre ficou em mim. Nos cinco anos de atividade em empresas privadas, nunca me senti tão realizado profissionalmente como com o trabalho humanitário", conta.

Nesta entrevista, ele fala sobre seu trabalho com MSF no distrito de Angonia, conhecido por seu grande potencial de agricultura e pela força de sua cultura e tradição. Com quase metade da população com menos de 15 anos de idade, o distrito é marcado por sua alta taxa de analfabetismo: 81%. A cobertura dos serviços de saúde é precária: cerca de 40% da população tem acesso a unidades de saúde – contando as pessoas que caminham por longas horas até chegar a elas. A partir desta quarta-feira, ele conta um pouco mais de sua rotina no Diário de Bordo.

Como é a sua missão em Angonia?
Marcio Aragão – Angonia é um distrito rural, com 330 mil pessoas, sendo sua sede chamada de Vila Ulongue (22 mil habitantes), onde MSF tem seu escritório. Ou seja, 310 mil provavelmente estão espalhados nas diversas tribos. Nosso projeto é de combate à epidemia de HIV/Aids. Estamos em oito Centros de Saúdes no campo, além do Hospital Rural e Centro de Saúde na sede. Atendemos áreas remotas onde não há acesso a energia elétrica e chega-se por estradas sem pavimentação. Às vezes, é difícil responder rapidamente às necessidades, mas os resultados na melhoria dos ambientes, na qualidade dos recursos humanos e na quantidade de pacientes diagnosticados e em tratamento refletem a eficiência de nosso trabalho.

Qual é a sua função?
Aragão – Sou Responsável Logístico do projeto. A logística tem que prover as condições de trabalho aos médicos, ou seja, requisitar todo material médico e administrativo das contruções e cuidar para que tudo esteja em seu devido lugar no tempo necessário. Também nos envolvemos na seleção de pessoas e autônomos prestadores de serviço e empresas para trabalhar com MSF e cuidamos da biossegurança, das intervenções e do planejamento das atividades para continuação da missão.

Quais são os seu maiores desafios?
Aragão – Suportar a saudade de casa é superado pelo dever de administrar tempo e pessoas. O fato de ser uma referência no local, nos faz ser muito requisitados. Além disso, como parte da logística, temos que dar respostas imediatas, soluções sustentáveis em um local com falta de recursos, tanto humanos quanto manufaturados. Temos que nos adaptar às limitações técnicas, à forma de comunicação (muitos trabalhadores falam dialetos) e gerenciar o que temos para obter bons resultados. Não é fácil, mas tem-se conseguido sucesso aqui.

Angonia é uma região de cultura e tradição muito fortes. Quais foram os aspectos mais marcantes dessa cultura para você?
Aragão – O que me impressiona é a força cultural da medicina tradicional. Impressiona porque não atinge apenas pessoas de baixo nível escolar. Angonia é tido como o lugar mais místico de Moçambique e pessoas importantes no cenário local – ministros, artistas, grandes empresários – vão a consultas com os curandeiros locais. Outro fato muito marcante para mim foram as danças tribais, que reúnem toda a comunidade, e cujo som se aproxima muito ao nosso batuque. A semelhança no ritual realmente me fez relembrar minhas raízes lá no interior do Maranhão.

As pessoas vêm de muito longe para se tratar nos projetos de MSF, já que a taxa de exclusão de acesso a saúde é tão alta?
Aragão – Não só pessoas vêm de longe, como MSF vai muito longe à procura destas. Trabalhamos com voluntários em busca de pacientes e com disseminação de informação. Criamos e equipamos ambientes para atendimento médico em áreas estratégicas de difícil acesso, provemos condição de trabalho e moradia para que pessoas possam ser atendidas mais próximas de suas comunidades. Fazemos trabalho de envolvimento comunitário nas construções de "Casas Mãe Espera", próximas aos Centros de Saúde, onde MSF provê parte do material e assistência técnica na construção. Mas a comunidade tem que construir. A finalidade é envolvê-los mais com a manutenção da estruturas de saúde. Essas casas servem para as famílias que vêm de longe e não têm onde dormir. Quando há casos graves, vamos buscar onde o paciente estiver e deslocá-lo a um local de tratamento. Nos esforçamos ao máximo para aumentar a rede de influência e atendimento médico.

A região tem muitos obstáculos em relação às suas estruturas de saúde. Como isso se reflete no seu trabalho?
Aragão – Nossa missão é propiciar condições de sustentabilidade ao atendimento médico. Investimos nas estruturas existentes, como forma de melhorá-las, bem como propomos e executamos a construção de outras. Isso está diretamente ligado ao meu trabalho, pois construímos muito. Atualmente, estamos num processo de intervenções para combate à contaminação oportunista do Bacilo de Koch (tuberculose). Estamos fazendo uma série de intervenções com objetivo de otimizar o aproveitamento de luz e ventilação naturais. Aliado a isso, ainda estamos melhorando a questão de saneamento e abastecimento de água.

Clique aqui para ler a primeira parte do Diário de Bordo de Márcio Aragão.

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