Ajuda humanitária não deve integrar campanha de estabilização da Somália

A associação da ajuda à estratégia política e militar das Nações Unidas e da União Africana ameaçará esforços humanitários

Iniciativas em andamento nas Nações Unidas com o objetivo de integrar a assistência humanitária à campanha militar internacional contra oponentes do governo da Somália vão ameaçar a oferta segura de ajuda independente e imparcial aos somalis que tentam sobreviver à guerra, alerta a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

O Conselho de Segurança das Nações Unidas está, atualmente, deliberando sobre a futura estrutura da missão da ONU na Somália. Está em discussão a possibilidade de inclusão da assistência humanitária na agenda política e militar na Somália. Esta abordagem, se implementada em um país onde a possibilidade de oferta de ajuda já está seriamente comprometida, pode gerar desconfiança em relação aos grupos humanitários.
 
“À medida que muitos somalis continuam tendo dificuldades em suprir necessidades básicas para sua sobrevivência, como alimentos, acesso a cuidados de saúde e proteção da violência, a assistência humanitária deve ser mantida como uma prioridade, completamente independente de qualquer agenda política”, afirma Jerome Oberreit, secretário geral de MSF. “O sistema de ajuda humanitária não pode ser cooptado como parceiro na implementação de iniciativas de contra-insurgência ou estabilização na Somália.”

Garantir a segurança de pacientes e equipes médicas continua sendo um grande desafio. A ajuda precisa, portanto, continuar sendo independente e imparcial para que organizações humanitárias possam tentar negociar o acesso a populações em necessidade com todos os envolvidos no conflito, mitigando riscos de segurança o máximo possível. Para MSF, a tentativa de politizar mais a ajuda humanitária vai expor pacientes e agentes humanitários a um perigo ainda maior.  

“Como já observamos anteriormente na Somália, e em outros países como Afeganistão, Iraque, Serra Leoa e Angola, quando a ajuda humanitária se integra a iniciativas de estabilização militar ou manutenção da paz, como ferramenta para dar andamento a objetivos políticos e de segurança, atores humanitários, incluindo agentes de saúde, invariavelmente, perdem a legitimidade e são impedidos de chegar até as populações encurraladas por conflitos”, explica Oberreit. “Houve casos extremos em que a ajuda para a população chegou a ser negada para servir interesses políticos relacionados à estabilização. A assistência humanitária deve ser mobilizada exclusivamente para atender as reais necessidades de uma população, e não motivada por quaisquer outras agendas.”

Grande parte da população somali por todo o país precisa de assistência básica, sendo que muitas pessoas estão em áreas onde há conflitos ativos, em regiões controladas por grupos armados, como o centro-sul da Somália, ressaltando a necessidade de ajuda humanitária independente e imparcial. O acesso a alimentos e cuidados médicos adequados é seriamente limitado. Mais de 730 mil somalis buscaram refúgio nos acampamentos do Quênia e da Etiópia. A assistência em Dadaab, no Quênia, que abriga centenas de milhares de refugiados somalis, continua insuficiente. Os pedidos do Quênia para que os refugiados retornem à Somália são prematuros, uma vez que a situação de segurança no país continua perigosa.

Mais de cem somalis cruzam a fronteira para a Etiópia diariamente para fugir da pobreza, da falta de alimentos e da insegurança, principalmente. Estudo recente feito com pacientes de MSF revela que mais da metade dos entrevistados (424 de 820) reportou terem se deslocado pela Somália ou ido para Liben, na Etiópia. Mais de 187 mil refugiados somalis estão vivendo em Liben, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR). A violência direta ou o medo da violência foram apontados como as principais motivações para os deslocamentos (46%), seguidos pela escassez de alimentos devido à seca e o acesso limitado à assistência (32%).

“Tive que mudar de região mais de dez vezes em toda a minha vida”, diz uma mulher de 25 anos da região de Lower Juba a MSF. “Meu marido foi morto em um ataque e dois de meus filhos morreram porque eu não pude alimentá-los.”

MSF teve de limitar suas atividades na Somália devido a riscos de segurança. Em outubro de 2011, duas agentes humanitárias de MSF, Montserrat Serra e Blanca Thiebaut, foram sequestradas no campo de refugiados de Dadaab e levadas para a Somália, onde MSF acredita que elas estejam sendo mantidas. Após o sequestro e até que elas sejam libertadas, MSF reduziu operações na Somália, voltando-se apenas para projetos de emergência essenciais à vida.

MSF atua na Somália ininterruptamente desde 1991 e continua levando cuidados médicos essenciais a centenas de milhares de somalis em dez regiões do país, bem como nos países vizinhos, Quênia e Etiópia. Mais de 1.400 profissionais, assessorados por cerca de 100 pessoas em Nairóbi, oferecem uma ampla gama de serviços, incluindo cuidados de saúde primários gratuitos, tratamento para desnutrição, saúde materna, cirurgia, resposta a epidemias como cólera e sarampo, campanhas de imunização, água e itens de primeira necessidade. Na primeira metade de 2012, MSF tratou aproximadamente 30 mil crianças com desnutrição severa e vacinou 75 mil contra doenças infecciosas. Equipes de MSF também prestaram assistência a mais de 7.300 partos e realizaram cerca de meio milhão de consultas médicas em suas instalações.

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