África Ocidental: Mobilizando uma resposta epidemiológica à cólera

Franck Ale, epidemiologista regional de MSF, fala sobre o estudo de caso da bacia do lago Chade

África Ocidental: Mobilizando uma resposta epidemiológica à cólera

Em Dacar, um time regional de epidemiologistas apoia as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em sua resposta às epidemias. A estação chuvosa recomeçou há algumas semanas na África Ocidental e Central e trouxe consigo doenças sazonais. Casos de cólera já foram identificados no norte de Camarões e a equipe está monitorando cuidadosamente a situação. Franck Ale, epidemiologista regional, explica os desafios do seu trabalho.

Qual é a situação epidemiológica relacionada à cólera na região hoje?

Temos observado casos de cólera em Camarões desde o início de março de 2019. Esses casos estão provavelmente ligados à última epidemia que se espalhou pelo país em 2018 – e cujo fim nunca foi oficialmente declarado. Com as primeiras chuvas no início de maio, notamos um forte aumento de casos com alta mortalidade. O Ministério da Saúde começou uma resposta e equipes de MSF no terreno também estão em alerta – apoiando a resposta das autoridades de saúde locais na cidade de Garoua e no distrito de saúde próximo de Pitoa, onde atuamos no ano passado, bem como no setor do distrito de saúde de Kaélé (nas regiões norte e extremo norte dos Camarões). O surto está oficialmente declarado em Camarões, bem como no estado de Adamawa, no nordeste da Nigéria. No entanto, permanecemos altamente vigilantes nas regiões vizinhas, especialmente no estado de Borno – no nordeste da Nigéria – e no Chade.  

Você pode nos contar mais sobre as epidemias de cólera do ano passado na mesma área?

Em países como o Níger, Nigéria e Camarões, a cólera é endêmica e ocorre regularmente durante a estação chuvosa. A região do lago Chade, que compreende os três países, é um ambiente especialmente propício para a cólera: há epidemias regulares na área desde 1971. Foram realizados investimentos para lidar com esses surtos, que vão desde a colaboração transfronteiriça até o fortalecimento da vigilância nos países vizinhos e a construção de capacidades de resposta envolvendo atores de saúde pública de diferentes especialidades. Mas os conflitos na região continuam causando o movimento das populações e enfraquecem os sistemas de saneamento e as condições de higiene. Infelizmente, essas são condições sob as quais a cólera pode se espalhar facilmente.

No ano passado, Níger, Nigéria e Camarões relataram muitos casos de cólera. Os primeiros casos foram observados no norte da Nigéria e estavam ligados aos conflitos e movimentos da população nessa área. O movimento de pessoas dentro e entre países pode facilmente levar uma epidemia a se espalhar. Em Camarões, houve até casos suspeitos detectados na capital, Yaoundé.

Hoje, temos as ferramentas médicas e de saúde pública para deter tal surto em uma área segura, onde estão disponíveis recursos de comunicação e promoção da saúde da comunidade. No entanto, é mais complicado quando há uma combinação de fatores agravantes, como deslocamentos de populações, sistemas de saneamento enfraquecidos e baixo acesso à água. Devem ser encontradas maneiras de identificar rapidamente os surtos e negociar o acesso, apesar das condições de segurança, para dar uma resposta rápida.

Como podemos melhorar nossa resposta às epidemias?

Só a África Ocidental e Central é responsável por 30% a 40% da carga mundial de cólera, segundo a Plataforma Regional da Cólera para a África Ocidental e Central. Atores que trabalham nesta região devem empenhar todos os esforços para melhorar a detecção e confirmação rápida de surtos da doença, para responder de forma mais eficiente – especialmente em área de conflito. Em contextos de conflito, a vacinação preventiva é essencial nas áreas em torno de uma zona de surto, tanto para pessoas internamente deslocadas como para populações anfitriãs, para limitar o risco de disseminação da doença. Para que isso seja possível, no entanto, é necessário um plano de preparação para emergências – no qual, por exemplo, existe a possibilidade de pré-negociar o acesso à vacina e disponibilizá-la na área.

É também essencial manter um elevado nível de vigilância epidemiológica, a fim de identificar rapidamente novos surtos da doença. A vacinação é uma forma muito eficaz de combater as epidemias de cólera, mas só pode ser feita se as áreas de risco forem rapidamente identificadas.

A rápida confirmação laboratorial desses casos também é um grande desafio, especialmente em áreas onde a insegurança e a falta de laboratórios tornam tudo mais complicado. O acesso a testes rápidos de triagem é essencial, pois esses testes permitem a identificação rápida de casos. Isso é necessário para declarar formalmente um surto e alocar os recursos necessários para responder a ele.

Que papel a epidemiologia desempenha em uma epidemia como essa?

A investigação epidemiológica pode identificar as causas de uma epidemia e orientar as respostas estratégicas. As duas ferramentas principais são a vigilância – que permite identificar rapidamente os primeiros pacientes e acompanhar a evolução geográfica dos casos – e a investigação, que envolve investigar como cada paciente contraiu a doença, identificar as pessoas e locais mais em risco (como fontes de água contaminada) e organizar respostas específicas. Essas respostas podem incluir a vacinação, bem como atividades de promoção da saúde e de água e saneamento.

Parte desse trabalho é feito por epidemiologistas no campo, em colaboração com as autoridades de saúde. Nossa equipe contribui com uma perspectiva regional e pode acompanhar a evolução das epidemias através das fronteiras, às vezes onde MSF não tem atividade contínua. Isto é baseado em dados disponibilizados por estados ou outros atores no local. No ano passado, ao monitorar o que estava acontecendo na Nigéria, pudemos alertar as equipes de MSF em Camarões sobre a chegada dos primeiros casos em uma área do norte do país, onde MSF não tem atividade regular. Isso nos permitiu responder rapidamente. De Dacar, também podemos trocar informações sobre cólera com os atores da Plataforma Regional da Cólera para a África Ocidental e Central e, portanto, contribuir para uma resposta global mais rápida. É importante que a voz independente de MSF seja incluída nas discussões para que as realidades no campo sejam levadas em conta.

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