Acolhimento e cuidados integrais de saúde são prioridade no atendimento a sobreviventes de violência sexual em Portel, na Ilha do Marajó

MSF e autoridades locais trabalham para promover assistência humanizada e integral centrada nas necessidades dos sobreviventes

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Treinamento ACS - UBS Murici
Treinamento ACS - UBS Murici

“O primeiro passo é a acolhida, é poder atender as pessoas com privacidade, para que se sintam seguras. A partir do momento em que nós as acolhemos, a gente começa a acionar a rede para as questões práticas”. O relato sobre o atendimento a sobreviventes de violência sexual é de Ana Cléia, assistente social da rede municipal que trabalha no Hospital Geral de Portel, município localizado na região da Ilha do Marajó, no Pará.

Sentada em um sofá na sala de acolhimento destinada aos sobreviventes, ela explica a importância do local, onde, além da maca, uma balança e outros equipamentos comuns em um consultório médico, vemos jogos, ursos de pelúcia e outros materiais lúdicos.  “Esses elementos são muito importantes quando recebemos crianças, mas na verdade o espaço todo proporciona um pouco mais de tranquilidade e privacidade a qualquer pessoa atendida aqui”, explica.

A construção desta sala de acolhimento e outra na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Portelinha são resultados da parceria entre Médicos Sem Fronteiras (MSF) com a Secretaria de Saúde do Município e outras autoridades locais para promover e aperfeiçoar o atendimento humanizado a sobreviventes de violência sexual.

Com o atual projeto iniciado em Portel em 2023, MSF impulsionou diversas ações desenvolvidas em dois eixos principais: o primeiro foi a articulação com diversos atores para estabelecer e garantir o seguimento das etapas necessárias para o atendimento humanizado e integral às pessoas sobreviventes por meio de um fluxo intersetorial, isto é, com a colaboração das diferentes instituições relacionadas à temática. Outro eixo foi a capacitação técnica na temática de violência sexual de profissionais da rede pública, principalmente servidores da área de saúde, como médicos, enfermeiros e agentes comunitários.

“Quando iniciamos o trabalho relacionado à violência sexual, percebemos que a resposta no município era focada na ‘judicialização’ dos casos. Isso significa que a atenção não estava centrada nos cuidados básicos aos sobreviventes, mas na denúncia dos casos, o que muitas vezes negligenciava essas pessoas. Não raramente, até o atendimento de saúde era condicionado ao boletim de ocorrência, por exemplo”, explica a coordenadora de MSF em Portel, Cristal de Oliveira.

MSF contribuiu ativamente com a criação de uma rede multidisciplinar composta por diversas instituições que atuam diretamente com esta temática, como a Secretaria Municipal de Saúde, o Conselho Tutelar, a Polícia Civil e o Ministério Público. A partir desta iniciativa, foi possível estabelecer um fluxo comum para o atendimento integral e humanizado aos sobreviventes. A prioridade é o encaminhamento para a rede de saúde, para que a pessoa receba os cuidados médicos e psicossociais necessários, com privacidade e confidencialidade.

Outros marcos desenvolvidos graças à rede são o Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual criado pela Secretaria de Saúde e a recém aprovada lei que institui a Política Municipal de Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas Sobreviventes de Crimes Contra a Dignidade Sexual e Outros Delitos Graves, sancionada no final de junho.

Para o diretor do Hospital Geral de Portel, Adriano Costa, também houve outra conquista importante: “Nunca imaginamos que poderíamos ter a PEP (profilaxia pós-exposição) e hoje ela é uma realidade para a gente. Se uma pessoa é sobrevivente de violência sexual, ela vai sair do hospital depois de ser atendida por médico treinado especificamente para isso e medicada de acordo com o protocolo nacional estabelecido pelo Ministério da Saúde”, conta.

A PEP é uma medida de prevenção para reduzir o risco de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) após uma possível exposição e consiste no uso de medicamentos antirretrovirais. Portel é pioneira neste sentido, sendo um dos poucos municípios no interior do estado do Pará a descentralizar o uso da PEP, permitindo que esteja mais acessível à população, inclusive em UBSs .

Treinamentos são essenciais para o atendimento integral e humanizado

Para contribuir com essa oferta de serviço integrado e humanizado do município, MSF capacitou 458 profissionais. Além de pessoas da área da saúde, assistentes sociais, educadores, conselheiros tutelares, policiais e funcionários administrativos do hospital e de Unidades Básicas de Saúde (UBS) também receberam treinamentos específicos. Segundo Daniela Cassio, coordenadora médica de MSF em Portel, as capacitações para esse público estavam mais centradas em primeiros cuidados psicológicos. “Outro foco foi explicar o funcionamento do fluxo intersetorial e a necessidade de encaminhar os sobreviventes para o serviço de saúde, que é a parte mais importante”, explica.

Para Fabrícia Vieira, conselheira tutelar que participou do treinamento, a atividade ajudou na compreensão do papel de cada órgão e proporcionou mais elementos para que os profissionais possam desenvolver seu trabalho de forma mais atenta: “Trabalhamos para acolher a pessoa e para que ela saiba que ali ela está protegida e vai ter uma resposta para a dor que ela está sentindo, porque nós sabemos que a dor não é só física, ela também é psicológica e às vezes esta dói até mais”, diz.

Com atividades concretas como os treinamentos de profissionais e o estabelecimento de fluxo, o projeto deixa um legado para o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas para a resposta de saúde à violência sexual. A articulação com as diversas áreas foi fundamental para essa implementação e a continuidade futura das atividades após o encerramento do projeto de MSF.

É o que ressalta Ana Cléia: “Para mim, o mais importante é termos possibilidade de oferecer um serviço completo, mais amplo, que garanta todos os direitos dessa pessoa sobrevivente, porque aí ela se sentirá segura para procurar qualquer atendimento que necessite neste momento”.

 

 

Médicos Sem Fronteiras (MSF) esteve pela primeira vez em Portel em 2021, durante a pandemia da COVID-19. Na ocasião, foram detectadas lacunas nos atendimentos de saúde básica e no apoio a sobreviventes de violência sexual. Em 2023, após diagnóstico mais aprofundado e planejamento de atividades em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, a colaboração foi reiniciada por meio de um projeto regular de três anos.

Além das ações voltadas para sobreviventes de violência sexual, nossas equipes trabalharam para ampliar a oferta de saúde primária, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva e promoção de saúde, apoiando Unidades Básicas de Saúde (UBS) e postos de saúde nas zonas urbana e rural, por meio de clínicas móveis.

 

 

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