“Uma parte do meu coração vai ficar aqui em Mocha, Iêmen”

Foto: Arquivo Pessoal

Hoje (12/10/21) foi o meu último dia no projeto, passei 2 meses num hospital de trauma em Mocha, Iêmen, numa região de conflito, e posso dizer que uma parte enorme do meu coração vai ficar aqui.

Cheguei aqui para a minha primeira missão com um mundo de expectativas e todas elas foram ultrapassadas. A sensação de me sentir útil, de poder ensinar, de me sentir parte de uma equipe, é diferente de qualquer outra que tenha sentido antes.

Fui acolhida de braços abertos por todos desde o primeiro momento.

Mal cheguei, mesmo cansada depois de 3 dias de viagem, já quis ir conhecer o hospital, saber como seria a minha rotina, conhecer as pessoas.

Trabalhar numa tenda foi algo super diferente, mas está tudo tão bem equipado que nunca senti que não estava num hospital normal. É uma experiência única e eu adorei.

A minha rotina consistia em rondas diárias por todos os leitos do hospital com uma equipe multidisciplinar. Depois, seguia para o centro cirúrgico, onde acompanhava a lista do dia. E então voltava ao hospital para todos os casos complexos ou para os que necessitassem de anestesia regional guiada por ultrassom.

Este projeto teve vários desafios, principalmente em termos emocionais e até de desgaste físico. Durante o meu tempo aqui, a atividade aumentou muito em relação ao basal normal. Mas devo dizer que o aumento do número de casos me permitiu levar o ensino aos anestesistas locais a outro nível, mesmo numa missão curta como foi a minha.

O desafio mais pesado foi quando uma mina explodiu num ônibus cheio de crianças pequenas. O cérebro precisa desligar um pouco para poder tratar tudo com eficiência, mas quando acaba a adrenalina, bate a realidade de tudo o que acabamos de ver e fazer. E depois lidar com as crianças durante semanas para inúmeras reoperações… aí chega o apego: já sabemos os nomes delas, elas já nos reconhecem e já esperam os balões e os pirulitos, que são a nossa única forma de alegrar os seus dias. Um dos meus dias mais felizes foi quando um dos pequeninos esticou os braços para mim e eu pude levá-lo no colo para dentro do centro cirúrgico, tive aqueles segundos para o poder apertar e dar uns beijinhos e isso deu força para todo o resto.

Vários outros casos igualmente catastróficos aconteceram na minha estadia e às vezes a sensação de impotência desanima. Mas quando penso, sei que fizemos tudo o que podíamos e nem sempre podemos ganhar. Mas não deixa de ser difícil.

Os profissionais nacionais são simplesmente pessoas incríveis. Sempre com um sorriso independentemente do cansaço, do estresse ou dos desafios. A maioria tem uma vontade enorme de aprender e melhorar e absorvem tudo o que lhes passo como uma esponja. Estão sempre prontos para ajudar, para uma palavra de carinho nos momentos mais pesados, para um café ou chá quando o cansaço bate. Encontrei entre os meus anestesistas e técnicos uma família que vou levar comigo para sempre.

Como disse, parto amanhã, mas uma parte do meu coração fica aqui em Mocha… e já tenho vontade de voltar.

O meu coração fica aqui, mas eu regresso agora da melhor experiência que já tive na vida.

Foram os 2 meses mais intensos da minha vida, emocional e fisicamente.

E como sempre, aquilo que tornou tudo mágico foram as pessoas. Que pessoas incríveis eu conheci!!! Um pedacinho de coração ficou com cada uma delas e vai ficar aqui para sempre, trago comigo uma sensação de amor, paz e de missão cumprida. Nunca me senti tão completamente feliz como me senti aqui.

E agora, de volta à realidade e já pensando na próxima!

Sara Amaral apoiou o hospital de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Mocha, no Iêmen, entre agosto e outubro de 2021.

MSF trabalha no país desde 1986. No Iêmen, as equipes de MSF atuam em 12 hospitais e dão suporte a mais de 13 instalações de saúde localizadas em 13 províncias: Abyan, Aden, Amran, Hajjah, Hodeidah, Ibb, Lahj, Marib, Saada, Sanaa, Shabwah e Taiz.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print