Sudão do Sul: impasse humanitário em Yida

Refugiados sudaneses estão à mercê de agendas políticas complexas que ameaçam piorar a terrível situação em que se encontram

A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) vem trabalhando, desde o final de 2011, no campo de refugiados de Yida, no estado de Unity, que abrange, atualmente, uma área de aproximadamente 1.200 hectares e abriga em torno de 75 mil pessoas – um número que cresceu cinco vezes em apenas um ano. Os refugiados sudaneses começaram a atravessar a fronteira em direção ao Sudão do Sul em junho de 2011, quando eclodiu o conflito entre o governo de Cartum e os rebeldes do Movimento Popular de Libertação do Sudão (SPLM) no estado de Kordofan do Sul.

Além do crescimento desordenado do acampamento, que ameaça as condições de saúde dos refugiados de forma geral, existem problemas relacionados à segurança. O território é muito próximo das áreas controladas pelos rebeldes, o que abre brechas para acusações de que o campo serviria como uma base para o SPLM-N, tornando-o um alvo em potencial. Dentro de um contexto mais amplo, considerando os esforços internacionais para facilitar as relações entre o Sudão e o Sudão do Sul desde a separação dos dois países, em julho de 2011, o objetivo é desmontar o campo de Yida, ou ao menos reduzir seu tamanho, e realocar os refugiados em regiões distantes dos rebeldes.
No início de abril, o governo do Sudão do Sul e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) começaram, então, a alocar todas as pessoas recém-chegadas em outro campo localizado em Ajuong Thok, a mais de 70 quilômetros de distância pela estrada que leva ao leste. Aqueles que se recusam são privados de assistência, com raras exceções concedidas aos que se encontram em estado de saúde crítico.

William Babiker, sua esposa, três filhos e seis filhas deixaram Kordofan do Sul no final de março em direção a Yida. “Não tínhamos mais o que comer”, ele diz. “Depois de caminhar por três dias, fomos nos registrar para que pudéssemos obter comida. As Nações Unidas nos disseram que tínhamos de ir a Ajuong primeiro, mas não conhecíamos ninguém lá. Nós sobrevivemos por quase um mês comendo folhas e com ajuda de nossos amigos. Só quando três de nossos filhos ficaram severamente desnutridos, nós recebemos o cartão alimentar (que dá direito a porções de alimento)”.

As divisões entre etnias no campo complicam ainda mais a situação. Madi Moussa Sanduk é o chefe dos Trawis, originais das Montanhas Nuba, no Sudão: “se nós formos a Ajuong Thoj, ficaremos mais próximos de nossos inimigos, os soldados sudaneses. As pessoas têm medo de se estabelecerem por lá e não querem ser separadas de sua tribo. Alguns até retornam a Kordofan do Sul e dizem aos outros para não irem a Yida”. O influxo de novos refugiados reduziu, de fato, recentemente, enquanto apenas algumas centenas deles foram transferidos para o campo de Ajuong Thok, que deveria abrigar 20 mil pessoas. E a estrada que conecta os dois campos se tornará intransponível por vários meses devido à iminente estação das chuvas.

“A localização de Yida é longe da ideal”, afirma o coordenador de programa de MSF, Duncan McLean. “Aparentemente, os refugiados podem ter recebido instruções para não deixar o local, e parte da distribuição de comida acaba chegando ao estado de Kordofan do Sul. No entanto, privar os recém-chegados de assistência só contribuirá para piorar suas condições de saúde. Não podemos esquecer que dois terços dos refugiados são mulheres e crianças”.

Mais de 1.500 pessoas que chegaram a Yida depois de 1º de abril não receberam seus cartões alimentares. Muitos sequer foram registrados pelo ACNUR, o que dificulta a sua identificação. “Para comer, eles precisam compartilhar a comida que outras pessoas recebem, o que aumenta o risco de desnutrição”, explica Corrine Torre, coordenadora de atividades de MSF em campo. “A prioridade é ajudar todos que vivem em Yida a se prepararem para a estação das chuvas. Eles ainda precisam de pontos de distribuição de água, latrinas, mosquiteiros, produtos de higiene pessoal e tendas de plástico. Estamos preocupados com a alta incidência de surtos de doenças infecciosas. Em 2012, aproximadamente 75% das hospitalizações por malária e infecções respiratórias ocorreram entre junho e outubro”.

Salvo uma mudança drástica no conflito entre o SPLM-N e as forças sudanesas, a época de chuvas deve atenuar o problema de realocação de refugiados de Yida por seis meses – mas não resolvê-lo. “Kordofan do Sul permanece uma zona de guerra e Cartum ainda precisa, contudo, autorizar a presença humanitária ali”, afirma McLean. “Os civis precisam de um lugar para buscar refúgio e, gostemos ou não, nos dois últimos anos, este lugar foi Yida”.

Presente em Yida desde outubro de 2011, MSF administra, atualmente, um centro de cuidados de saúde primária (média de 10 mil consultas por mês), um hospital com 60 leitos, uma unidade de tratamento de desnutrição e possui equipes móveis que se deslocam pelo campo. MSF também está envolvido no suprimento de água e na construção de latrinas. De maio de 2012 a maio de 2013, MSF tratou cerca de 3 mil crianças severamente desnutridas, em Yida.

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