Síria: “Havia corpos por toda parte. Nas mesas, nos corredores, no chão”

Diretor de hospital apoiado por MSF descreve o horror de um influxo massivo de vítimas no noroeste do país

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No mês passado, um terrível ataque com mísseis devastou o centro de uma cidade na província de Idlib, na Síria. Ondas sucessivas de feridos chegaram a um pequeno hospital improvisado, apoiado pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). Imediatamente, MSF começou a organizar um grande reabastecimento de itens para ser enviado ao hospital. O diretor da instalação, que pediu para permanecer no anonimato por questões de segurança, descreveu a situação.

“Os aviões circularam sobre nós no fim da tarde e nós esperamos. Será que nos tornaríamos vítimas? Nos tornaríamos números?

Às três da tarde, aproximadamente, ouvimos um som ensurdecedor de três foguetes explodindo em uma cidade próxima. Uma cidade sobrecarregada, com moradores desesperados vivendo junto a diversas pessoas deslocadas de outras regiões da Síria. Prédios e shoppings foram demolidos em poucos minutos. Tudo virou destroços. Corpos dilacerados, membros por todos os lados. Isso é um massacre. Isso é uma carnificina.

Foi uma destruição total que é difícil de descrever; um estado de histeria tomou conta das pessoas, primeiro das famílias que procuravam por seus entes queridos, depois dos vizinhos que procuravam seus vizinhos, e, então, se espalhou entre nós, os profissionais médicos.

Apenas alguns minutos depois do primeiro ataque, nós recebemos os primeiros cinco pacientes feridos, em nosso modesto hospital improvisado de 12 leitos, com apenas um centro cirúrgico.

Em vez de rezas vindas das mesquitas, havia gritos altos clamando por ajuda, implorando às pessoas que achassem os feridos e os mortos sob as ruínas.

O influxo de feridos nunca parava. O hospital ficou rapidamente sobrecarregado. Havia corpos por toda parte. Nas mesas, nos corredores, no chão. O chão estava cheio de sangue. Equipes médicas e voluntários abriam caminho entre os corpos dos feridos, fazendo o que podiam.

Nós recebemos mais de 100 pessoas feridas nas primeiras poucas horas após os ataques; muitas delas eram crianças. Só podíamos tratar 80 pacientes, e tivemos de recusar 50; não tínhamos a capacidade necessária para tratar seus ferimentos.

Nós só podíamos oferecer tratamento para aqueles que haviam sido feridos por estilhaços, casos ortopédicos e amputações. Infelizmente, tivemos de recusar pacientes com complicações neurológicas ou vasculares, simplesmente porque não temos recursos ou profissionais médicos especializados como neurocirurgiões.

Recusar pacientes só coloca nossa equipe médica já desgastada sob ainda mais pressão. Uma mãe chegou procurando por seu filho. Conseguimos identificá-lo a partir da descrição que ela fez, mas sabíamos que havíamos perdido sua vida. Ela começou a chorar e se recusou a identificar o corpo. Eu só tinha uma escolha; levei para a mãe a blusa do menino. Esse momento trágico aconteceu em poucos segundos. Eu estava ajudando meus colegas a mover e fazer a triagem de pacientes para que pudéssemos oferecer cuidados primeiramente àqueles mais gravemente feridos. Havia sangue por toda parte, mas estávamos ficando sem bolsas de sangue. Homens e mulheres doaram seu próprio sangue para estranhos.

Com a chegada da noite, ficou impossível achar pessoas vivas sob as ruínas. Continuaremos encontrando corpos pelos próximos dias. Como equipe médica, a única escolha que temos é reabastecer nossos estoques, recobrar nossas esperanças, e nos preparar para a próxima tragédia.”

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