A organização por trás dos médicos

Dra. Carolina Batista, médica, diretora da unidade médica de Médicos Sem Fronteiras Brasil

Desde que o governo brasileiro anunciou a proposta de trazer médicos do exterior para cobrir algumas lacunas do Sistema Único de Saúde, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) vem sendo citada tanto por defensores quanto por críticos da medida. Temos sido também questionados: como conseguimos levar médicos para os rincões da África e oferecer atendimento onde não há qualquer infraestrutura? E como é possível garantir a qualidade do trabalho com equipes de várias nacionalidades?
 
Médicos Sem Fronteiras é uma organização internacional fundada há mais de 40 anos para levar ajuda médica a pessoas em situação de crise humanitária, como conflitos, epidemias, desastres naturais e outros contextos onde a saúde e a sobrevivência das pessoas se veem ameaçadas e não há capacidade por parte de governos ou outras organizações locais de responder às necessidades. Ao longo desses anos, desenvolvemos protocolos para o manejo de cada doença e criamos kits que contêm os insumos necessários para cada situação, que são despachados rapidamente para qualquer local do mundo. Desenvolvemos processos de gestão, incluindo o controle do estoque e a supervisão das equipes, que asseguram a qualidade dos projetos em qualquer lugar do planeta, quaisquer sejam as nacionalidades dos profissionais envolvidos.
 
Nossos profissionais passam por um rigoroso processo de seleção. Além do diploma, precisam ter experiência profissional comprovada, motivação humanitária, flexibilidade para trabalhar em contextos difíceis e falar inglês ou francês. Em campo, nossos médicos jamais estão sozinhos. Quando a organização decide atuar em determinado local, enviamos uma equipe internacional multidisciplinar para a região, com médicos, logísticos, farmacêuticos e outros profissionais. Essa equipe é reforçada por profissionais locais, que conhecem o contexto, as comunidades e a língua local, o que é essencial para garantir o êxito das ações.
 
É claro que enfrentamos desafios. Trabalhar todo o tempo com uma equipe multicultural, usando uma língua que não a sua própria, pode não ser fácil para alguns. Além disso, quando estamos em campo, não dispomos dos equipamentos de última geração e alta tecnologia aos quais teríamos acesso em alguns hospitais dos grandes centros urbanos no Brasil. Ainda assim, somos capazes de diagnosticar e tratar as condições que mais afetam as pessoas naqueles locais, usando ferramentas específicas e adaptadas às necessidades do local. O teste de diagnóstico para malária, por exemplo, uma das três doenças que mais matam na África, pode ser feito em apenas 15 minutos, e o paciente já recebe tratamento imediatamente no caso de resultado positivo. Foi assim que, em 2012, tratamos mais de 1.642.000 pessoas com malária pelo mundo. Pessoas que, de outro modo, teriam suas vidas ameaçadas por uma doença curável.
 
O que nos motiva a fazer esse trabalho? Como médica, trabalhando há sete anos com MSF e tendo estado em países como Líbia, Somália, Camarões, Bolívia eu acredito que a ajuda humanitária não tem fronteiras. O sofrimento de alguém que está do outro lado do mundo não é menos importante do que o de uma pessoa que está ao meu lado. E quando estou em uma comunidade, sei que nossa presença é determinada simplesmente pelas necessidades de saúde das pessoas.  É com base nessa premissa, fundamentada na ética médica e nos princípios humanitários de imparcialidade, neutralidade e independência, que atuamos. É graças a essa convicção que nós, médicos e outros profissionais de Médicos Sem Fronteiras, nos disponibilizamos a ir para regiões remotas, trabalhar sob condições adversas, mas sabendo que teremos disponíveis as ferramentas necessárias para atender nossos pacientes, que receberemos apoio da organização quando precisamos, aprenderemos com colegas de outras áreas e países e voltaremos com a sensação de que, mesmo diante das dificuldades, teremos tido um impacto direto na vida das pessoas, oferecendo o melhor que estava ao nosso alcance.
 

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