MSF é obrigada a encerrar todos os programas médicos na Somália

Abusos e manipulações da assistência humanitária levaram ao fim da ajuda que já durava 22 anos. O suporte e a tolerância de grupos armados e lideranças civis diante dos violentos ataques dirigidos a MSF minam as garantias mínimas de segurança necessárias

Após atuação continua na Somália desde 1991, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou, hoje, o encerramento de todos os seus programas na Somália, resultado de ataques violentos contra seu pessoal em um ambiente em que grupos armados e líderes civis cada vez mais suportam, toleram ou mesmo compactuam com assassinatos, assaltos e sequestros de profissionais de ajuda humanitária.
 
Em alguns casos, os mesmos atores – principalmente, mas não exclusivamente, no centro-sul da Somália – com os quais MSF deve negociar as garantias mínimas de respeito à sua missão médico-humanitária, participaram dos abusos contra a equipe da organização, seja por envolvimento direto ou aprovação tácita. Suas ações e tolerância diante da situação impediram o acesso de centenas de milhares de civis somalis à ajuda humanitária, afirma MSF.
Durante esses mais de 22 anos de história na Somália, MSF negociou com grupos armados e autoridades de todos os lados do conflito. As excepcionais necessidades humanitárias no país fizeram com que a organização e sua equipe tolerassem riscos incomparáveis, muitos dos quais recaídos sobre o os trabalhadores somalis de MSF, e aceitassem comprometer seriamente seus princípios operacionais de independência e imparcialidade.

Os incidentes mais recentes envolveram o assassinato brutal de profissionais de MSF em Mogadíscio, em dezembro de 2011, e a subsequente libertação precoce de seu assassino condenado; e o violento rapto de dois membros da equipe do campo de refugiados de Dadaab, no Quênia, que teve um desfecho apenas em julho, após 21 meses de cativeiro no centro-sul da Somália. Esses dois incidentes são apenas os mais recentes de uma série de abusos extremos. Quatorze outros membros da equipe de MSF foram assassinados e a organização vivenciou dezenas de ataques dirigidos ao seu pessoal, às ambulâncias e instalações médicas desde 1991.
 
“Ao escolher matar, atacar e sequestrar profissionais de ajuda humanitária, esses grupos armados, e as autoridades civis que toleram suas ações, selaram o destino de incontáveis vidas na Somália”, ressaltou o Dr. Unni Karunkara, presidente internacional de MSF. “Estamos encerrando nossos programas na Somália porque a situação no país cria um desequilíbrio insustentável entre os riscos e as concessões que nossas equipes precisam fazer e nossa capacidade para oferecer assistência à população somali.”
 
Além dos assassinatos, raptos e abusos contra suas equipes, MSF teve de se valer, excepcionalmente, de guardas armados, o que não faz em nenhum outro país, e tolerar limitações extremas impostas à sua capacidade de avaliar e responder às necessidades da população de forma independente.
 
A assistência humanitária requer um mínimo de reconhecimento do valor do trabalho médico-humanitário, e, portanto, a aceitação de todas as partes em conflito e comunidades para permitir a provisão de assistência, bem como dos princípios de independência e imparcialidade. Além disso, as partes envolvidas devem demonstrar capacidade e disposição para preservar as garantias de segurança mínimas negociadas para pacientes e equipes. Hoje, essa aceitação, sempre frágil em zonas de conflito, não existe mais na Somália.
 
“Em última instância, os civis na Somália é que pagarão caro”, conta o Dr. Unni Karunkara. “Grande parte da população somali não conhece o país sem guerra ou fome. Essa população, que já recebia muito menos assistência do que o necessário, foi efetivamente usurpada do pouco acesso a cuidados médicos que tinham por grupos armados que atacam a ajuda humanitária e líderes civis que toleram tais abusos.”
 
MSF encerrará seus programas médicos por toda a Somália, incluindo a capital, Mogadíscio, e os subúrbios de Afgooye e Daynille, bem como Balad, Dinsor, Galkayo, Jilib, Jowhar, Kismayo, Marere e Burao. Mais de 1.500 profissionais ofereciam uma ampla gama de serviços, incluindo cuidados de saúde primária gratuitos, tratamento para desnutrição, saúde materna, cirurgia, resposta a epidemiais, campanhas de imunização, água e itens de primeira necessidade. Somente em 2012, as equipes de MSF realizaram mais de 624 mil consultas, internaram 41.100 pacientes em hospitais, trataram 30.090 crianças desnutridas, vacinaram 58.620 pessoas e assistiram 7.300 partos.
 
Nesses 22 anos de história na Somália, a equipe de MSF veio a conhecer intimamente o quão profundas são as necessidades da população somali. MSF continua comprometida com a resposta a tais necessidades por meio de assistência médico-humanitária, mas todos os atores na Somália devem demonstrar, por meio de suas ações, pré-disposição e capacidade para facilitar a provisão de assistência humanitária à população somali e respeitar a segurança dos profissionais de ajuda humanitária que arriscam suas vidas para cuidar das pessoas.

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