Colômbia: ferimentos invisíveis

A psicóloga Juliana Puerta fala sobre o programa de saúde mental de MSF em Cauca

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Rafael está na casa dos 40 anos, um homem com um espírito inquieto e disciplinado, que passou pelo conflito que, como ele diz, “felizmente, nunca me tocou”. Ele se refere ao fato de que o conflito não o deixou com nenhum “ferimento visível”, como ele os chama, embora tenha visto hostilidades armadas e combates em primeira mão, e enterrado amigos por causa da violência. “Civis inocentes”, diz ele.

Rafael vive em sua terra com sua esposa, cinco filhos e neto, em um vilarejo na região de Alto Río Guapi, território composto por 10 vilarejos habitados por 638 famílias. Ali, em 21 de maio, as forças militares da Colômbia iniciaram uma ofensiva militar contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). “Os aviões, helicópteros, bombas e explosões eram coisas que pessoas daqui não conheciam. Houve muito nervosismo, pessoas que não conseguiram lidar com a situação. As crianças estavam chorando muito e não sentiam vontade de comer. Minha filha foi uma das pessoas que foi muito afetada. Eu falei a eles que, enquanto eles estivessem conosco (pai e mãe), nada iria acontecer.”

Na manhã do terceiro dia de confronto, todos os habitantes do vilarejo onde Rafael mora (cerca de 160 pessoas) decidiram ir embora. “Ninguém ficou. A única coisa que você poderia levar consigo eram roupas. No passado, nós tivemos motivos para ir embora por causa da violência, mas resistimos; desta vez, foi muito mais forte, então, fomos embora.”

Naquele dia, as pessoas de outros vilarejos próximos também começaram a deixar suas casas, juntando-se às 110 famílias (468 pessoas) que chegaram em canoas à área urbana do município de Guapi, buscando ajuda humanitária e casas de parentes que poderiam acolhê-los. “Os subsídios não são suficientes, nós não temos potes, fogão ou baldes para recolher água. O alimento que é distribuído não é suficiente para famílias grandes”, conta ele, na medida em que seus olhos começam a lacrimejar.

“Agora, a comunidade está se sentindo melhor, nós somos muito unidos e trabalhamos todos juntos para garantir que a ajuda seja compartilhada. Aqueles que só estão chegando agora, que vieram de outros vilarejos, que, por vários motivos, não tinham tido condições de deixar antes, não estão bem. Eu falei a eles para visitarem MSF para que possam receber apoio emocional, para que, assim, não fiquem mais presos a seus maus pensamentos e possam enxergar coisas boas também.”

“Estamos ainda mais preocupados com aqueles que ainda estão aqui, que não têm condições de sair de onde estão, com medo e com fome, porque não conseguem ganhar a vida.” Dada a situação na região, as atividades produtivas como caça, pesca, agricultura e mineração artesanal foram suspensas.

Rafael curou seis pessoas que sofriam de espanto, palavra que, em espanhol, significa susto, usada para designar de forma tradicional as reações pós-traumáticas agudas, por meio de medicina tradicional de origem africana, e ele continuará curando “todos aqueles que precisam, porque eu aprendi isso para ajudar a todos”.

Desde sua chegada na área urbana de Guapi, uma equipe de psicólogos da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem trabalhado em coordenação com agências do Estado e outras ONGs ali presentes para responder às necessidades psicológicas das populações. A equipe ofereceu treinamento para a identificação de sinais de alerta sobre a saúde mental e de primeiros socorros psicológicos para 24 pessoas que estão realizando atividades psicossociais e de cuidados de saúde primária voltadas para as pessoas afetadas. Os profissionais também conduziram atividades psicoeducativas em grupo com 140 pessoas das comunidades afetadas – a maioria delas já participou de várias sessões – , a fim de normalizar as reações, identificar as pessoas que precisam de cuidados clínicos individuais, em família ou em grupo, e reavivar e fortalecer mecanismos de enfrentamento individuais, em família ou comunitários, que lhes permitem lidar com a situação.

Em consultas clínicas, a equipe tratou 23 crianças e 31 adultos que apresentaram reações esperadas nesses casos: 55% tiveram sintomas pós-traumáticos, 43% outros sintomas de ansiedade e 2% sintomas relacionados à depressão.

Embora essas reações a eventos violentos sejam normais, é essencial que a importância da oferta de cuidados psicológicos precoces a essas pessoas seja reconhecida, a fim de aliviar prontamente a dor emocional e prevenir o desenvolvimento de desordens como o estresse pós-traumático, condição que causa grande sofrimento e, por vezes, torna-se crônica.

O projeto de MSF na Colômbia está trabalhando ativamente para assegurar que o serviço de cuidados psicológicos seja uma prioridade para as autoridades de saúde, especialmente nas regiões onde acontecem os conflitos armados.

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