Programa de acesso do tenofovir da Gilead para países em desenvolvimento é falsa promessa

MSF alerta que a Gilead, produtora do tenofovir, não está cumprindo a promessa, feita em 2002, de vender o medicamento a preço reduzido nos 97 países em desenvolvimento, por meio de um Programa de Acesso. Hoje o tenofovir só está registrado em seis deles

Enquanto especialistas em HIV/Aids se reúnem esta semana em Denver para discutir avanços no tratamento, durante a 13ª Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) está preocupada com o fato de que inovações do passado ainda não chegaram às pessoas que vivem nos países em desenvolvimento. Mais de três anos após a Gilead anunciar seu ‘Programa de Acesso’ para o tenofovir, este medicamento anti-retroviral de suma importância continua indisponível na maioria dos países em desenvolvimento.

Comercializado como Viread® (tenofovir disoproxil fumarate) nos Estados Unidos e aqui no Brasil também, o tenofovir foi aprovado pelo FDA (agência de controle de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos) há mais de 4 anos. Hoje, o tenofovir é uma opção importante no tratamento anti-retroviral tanto para pacientes de Aids que estão iniciando a terapia com anti-retrovirais, quanto para aqueles que necessitam de acesso a medicamentos mais modernos, principalmente porque apresentam menos efeitos colaterais que os mais antigos.

Enquanto a Gilead é a única produtora do tenofovir (não há versões genéricas internacionalmente aprovadas), MSF e outras organizações dependem da boa vontade da empresa para disponibilizar amplamente este medicamento tão necessário. Em dezembro de 2002 a Gilead anunciou que o tenofovir estaria disponível a um preço reduzido para 68 países, inicialmente, e depois para 97 países em desenvolvimento por meio do 'Programa de Acesso do Viread'. Mais de três anos depois, o tenofovir está registrado para uso em apenas seis desses países – Bahamas, Gâmbia, Quênia, Ruanda, Uganda e Zâmbia. A empresa não pediu o registro de comercialização nem encontrou outros meios de tornar seu medicamento disponível na maioria dos países em desenvolvimento.

“A Gilead está orgulhosa de mostrar aos médicos e acionistas como o tenofovir é efetivo no tratamento do HIV/Aids, mas além de emitir releases de imprensa e fazer promessas vazias, a empresa tem feito muito pouco para garantir que o medicamento esteja disponível para aqueles que mais necessitam nos países em desenvolvimento”, disse Dra. Alexandra Calmy, especialista em HIV/Aids da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de Médicos Sem Fronteiras, presente na conferência de Denver.

Na África do Sul, a Gilead só completou o pedido de registro do medicamento em novembro de 2005, três anos depois de ter anunciado a redução de preço para os países em desenvolvimento selecionados. Considerando o tempo médio que se leva entre a solicitação de registro de um medicamento e a sua aprovação, na África do Sul, o medicamento não deve chegar aos pacientes sul-africanos antes de 2007. Há portanto cinco anos entre o anúncio da Gilead e a disponibilidade no país.

Para obter hoje o medicamento para os pacientes na África do Sul, os médicos de MSF, que desenvolvem projetos de tratamento de Aids no país, são obrigados a enfrentar procedimentos burocráticos complexos, como dar o nome de cada paciente que precisa da medicação, para que se possa importar o tenofovir diretamente da Gilead sob uma autorização especial da lei sul-africana.

“O complicado processo de solicitação e, em especial, as dificuldades e as despesas extras de transporte da Califórnia, significam que a grande maioria dos médicos na África do Sul não terá acesso ao tenofovir. E se o transporte atrasar, também estaremos diante de uma realidade dolorosa de termos que racionar o medicamento”, disse Dr. Eric Goemaere, coordenador do projeto de HIV/Aids de MSF em Khayelitsha, nos arredores da Cidade do Cabo.

A Gilead não considera a Tailândia um “País de Acesso” e, até o momento, não comercializa o medicamento lá. “Quando MSF se encontrou com representantes da Gilead na Conferência Internacional de Aids em Bangcoc, em julho de 2004, eles nos garantiram que iriam registrar o medicamento imediatamente”, disse Dr. David Wilson, coordenador de saúde dos projetos de HIV/Aids de MSF na Tailândia. “Dezoito meses já se passaram e ainda estamos aguardando”.

“Se a Gilead esperar para registrar o tenofovir na Tailândia até que o Acordo de Livre Comércio EUA-Tailândia seja assinado, a empresa teria então cinco anos de exclusividade do medicamento. Só podemos imaginar que seja este o motivo do atraso”, concluiu David Wilson.

MSF faz um apelo para que a Gilead cumpra com a sua promessa de levar o medicamento para os pacientes que mais necessitam.

No Brasil, o tenofovir está registrado e já foi incluído no consenso de terapia do HIV/Aids do Ministério da Saúde. O Brasil não é um "País de Acesso" para a Gilead e paga US$ 2.664 por paciente/ano pelo medicamento, ou seja, quase 8 vezes mais que o preço do "Programa de Acesso do Viread". O tenofovir faz parte dos 4 medicamentos patenteados que consomem mais de 80 % do orçamento do Programa Nacional de DST/Aids para compra de medicamentos. Nenhum país emitiu uma licença compulsória (quebra de patente) para o tenofovir e por isso até hoje não existe genérico do anti-retroviral.

MSF e o tratamento do HIV/Aids

MSF começou a oferecer serviços de tratamento e prevenção ao HIV/Aids nos anos 90. Em 2000, MSF introduziu a terapia anti-retroviral nos seus projetos na Tailândia, África do Sul e Camarões. Atualmente, MSF trata aproximadamente 60.000 pacientes com anti-retrovirais em 50 projetos espalhados por 29 países.

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