Ucrânia: “Quando os bombardeios começam, você apenas corre para o porão mais próximo”

Após fugir de Debaltseve com seu marido e seu filho pequeno, mulher de 24 anos fala sobre a situação vivida na cidade em meio aos bombardeios

msb18521_medium

Alyona, de 24 anos, é de Debaltseve, cidade fortemente disputada entre as partes beligerantes situada na linha de frente do conflito na Ucrânia. Quando os confrontos se intensificaram em janeiro, Alyona, seu marido e seu filho Gleb, de dois anos de idade, ficaram no porão. Eventualmente, no entanto, a situação se tornou insustentável e eles fugiram da cidade em 29 de janeiro. Eles agora estão ficando em uma estância na floresta em Svyatogorsk, a cerca de 115 km de Debaltseve, juntamente com mais de 350 outras pessoas deslocadas. Alyona está recebendo suporte de um psicólogo de MSF porque está preocupada com o impacto que o conflito pode ter em seu filho. Recentemente, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) também começou a oferecer cuidados básicos de saúde a residentes da estância. Em 13 de fevereiro, Alyona contou sua história.

“Meu marido, meu filho e eu deixamos Debaltseve pela primeira vez em julho, duas semanas antes de uma ofensiva militar na cidade. Fugimos para Konstantinovka, mas voltamos a Debaltseve em outubro, porque meu marido seria demitido por conta das faltas no trabalho.

Agora sabemos que aqueles eventos que aconteceram no verão não são nada se comparados aos que estão acontecendo agora em Debaltseve. Mesmo antes de os confrontos se intensificarem em 19 de janeiro, nós raramente ficávamos no apartamento. Estávamos sempre correndo para o porão. Estávamos organizando o abrigo há meses – limpando, levando colchões e tudo que podíamos para que tivéssemos um lugar melhor para ficarmos. Mas, no final, quando os bombardeios começam, você não tem escolha; você apenas corre para o porão mais próximo.

Houve períodos sem bombardeios, que duravam cerca de dois dias, e outros momentos durante os quais não podíamos sair do porão. A partir de um determinado momento, as pessoas já não mais prestavam atenção aos bombardeios constantes e já sabiam até dizer se as bombas saiam de Debaltseve ou tinham a cidade como alvo. Uma vez, tive de esconder meu filho no banheiro e quando ele saiu dali, perguntou: ‘As bombas estão vindo até nós ou saindo de nós, mamãe?’

Por dez dias, antes de virmos para cá, ficamos no porão sem energia elétrica e sem aquecimento. Os abrigos são da Segunda Guerra Mundial, úmidos e negligenciados. Estava muito frio, cerca de 8oC, e éramos entre 20 e 25 pessoas no porão. As pessoas trouxeram alguma comida, mas, como não havia eletricidade, tivemos de conectar um minifogão a botijões de gás para podermos cozinhar.

Todos os porões da cidade estavam lotados. Havia idosos, crianças, todos estavam ali. E as pessoas ficaram doentes. Antes de 19 de janeiro, era possível conseguir medicamentos de farmacêuticos no centro da cidade, mas não conseguíamos encontrar tratamentos específicos. Alimentos estavam muito caros, porque o suprimento foi se tornando cada vez mais complicado. Não havia dinheiro em espécie, apenas um banco funcionava na cidade, mas o principal problema era que as pessoas não tinham nada para sacar – como os negócios estão todos suspensos, as pessoas não foram pagas.

Fomos evacuados dali por voluntários. Supostamente, um ônibus viria nos buscar às 8 horas, mas tivemos de esperar até às 15 horas por conta dos bombardeios. Foi assustador esperar do lado de fora, próximo de um prédio que havia sido bombardeado diversas vezes no passado. Esperando ali, todos juntos, pensei que o local pudesse se tornar uma cova coletiva. Uma bomba nos atingiu por voltar das 7 horas e uma mulher perdeu uma perna. Até que a ambulância chegasse, cinco horas depois, ela já tinha sangrado até a morte.

A maior parte da minha família foi evacuada de Debaltseve, mas alguns decidiram ficar. Agora, eles não têm mais chance de sair dali. Eles conseguem carregar seus celulares muito raramente, então é sempre terrível esperar pacientemente por uma ligação para saber como estão. Estamos todos cansados dessa situação de ter que pensar nisso tudo todos os dias.

O psicólogo de MSF falou com meu filho e me disse que ele está ótimo. Uma mulher vem para cá frequentemente brincar com as crianças, na tentativa de distrai-las. Os voluntários trazem muitos brinquedos para nossos filhos, mas você pode ver o tipo de jogo que é mais popular entre as crianças (ela observa seu filho brincar com armas de brinquedo). Percebi que ele não quer ficar longe de mim, ainda tem medo. Espero que meu filho não carregue cicatrizes desses eventos. Só o tempo dirá.

Aqui, recebemos alguma comida de organizações e voluntários e esperamos conseguir mais nos próximos dias. Vivemos com o dinheiro que trouxemos conosco quando saímos da cidade.

Não temos planos para o futuro. É difícil ter esperanças. Todos foram afetados, mental ou fisicamente. As pessoas tinham tudo, mas, agora, meu filho é um sem-teto. É impossível voltar no tempo.”

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print