Tuberculose: práticas obsoletas favorecem resistência a medicamentos

Nova pesquisa aponta que é preciso encerrar urgentemente políticas de hospitalização obrigatória, regimes de retratamento que contribuem para a resistência a medicamentos e diagnósticos imprecisos

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A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) e a Stop TB Partnership (Parceria Contra a Tuberculose, em tradução para o português) lançaram hoje (2/12) a segunda edição do relatório “Out of Step” (“Descompasso”, em tradução livre para o português): uma pesquisa com 24 países acerca de suas políticas e práticas em uso atualmente para orientar o diagnóstico e o tratamento da tuberculose (TB). Se os países precisam atingir as metas mundialmente endossadas para reduzir a incidência de tuberculose (TB) e de mortes relacionadas a ela em mais de 90% nos próximos 20 anos, grandes esforços devem ser concentrados neste momento para adotar e aplicar as 14 principais políticas e práticas indicadas no relatório, que são atualmente recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A TB tem cura, mas continua a ser a doença infecciosa que mais mata no mundo, reivindicando 1,5 milhão de vidas a cada ano.

“As políticas obsoletas para o tratamento da TB que colocam as pessoas em risco de mais sofrimento e de morte devem ser banidas, incluindo regimes de retratamento que aumentam potencialmente a resistência a medicamentos, e a hospitalização obrigatória durante o tratamento”, disse a Dra. Grania Brigden, consultora para tuberculose da Campanha de Acesso a Medicamentos de MSF. “O uso de testes moleculares rápidos que podem diagnosticar efetivamente a resistência a medicamentos ainda não atingiu a ampla cobertura necessária. Não seremos capazes de preencher as enormes lacunas no diagnóstico e no tratamento da TB enquanto as políticas e práticas conhecidas para reduzir o número de casos da doença, de morte e de transmissão sejam totalmente adotadas e implementadas em todos os países, incluindo o melhor uso de cada ferramenta eficaz disponível hoje.”

Em outubro, a OMS revelou que apenas uma em cada quatro (26%) das 480 mil pessoas que se estima terem desenvolvido a TB multirresistente (TB-MDR) em 2014 foram diagnosticadas, com 111 mil pessoas (23%) que começaram o tratamento e menos da metade delas tratadas com sucesso. No entanto, dos 24 países pesquisados para o Out of Step, apenas cerca de 30% deles (8 em 24) puseram em prática políticas para garantir que testes moleculares rápidos para a detecção da TB e da resistência a medicamentos sejam usados como teste inicial para todos os que estejam sendo testados para TB. Apesar dos desafios financeiros iniciais relacionados com essa estratégia, os países devem considerar a ampliação do acesso ao diagnóstico molecular rápido, a fim de garantir o diagnóstico precoce e o início do tratamento precoce; reduzir a cadeia de transmissão; reduzir implicações de custo no longo prazo; e reduzir o surgimento de casos de TB resistente a medicamentos e da carga global de TB.

“Para alcançar as 90-90-90 metas do Plano Global da Stop TB Partnership Para Acabar Com A TB de 2016 a 2020, e os objetivos a longo prazo descritos na estratégia da OMS para pôr um fim à TB, os programas nacionais precisam adequar urgentemente suas políticas e práticas nacionais às recomendações internacionais para o diagnóstico e o tratamento efetivos da TB”, disse a Dra. Lucica Ditiu, diretora executiva da Stop TB Partnership.

“Nós reconhecemos que a adoção de políticas de TB para situações nacionais e locais pode levar tempo, mas muitos países estão tomando esse rumo. Apenas um ano após novas orientações pediátricas serem lançadas, o relatório constatou que 30% dos países pesquisados já adotaram as novas diretrizes, o que beneficia todas as crianças com TB. Esperamos que o relatório Out of Step traga um foco renovado sobre a importância das políticas de TB como o ponto de partida para garantir que os países estejam prontos para ampliar os esforços de TB”, disse a Dra. Lucica Ditiu.

Quase 60% dos países pesquisados (14 dos 24) continuam a oferecer o regime de retratamento ‘Categoria II’, cujos resultados são precários em países com altas taxas de TB-MDR e de coinfecção HIV/TB. Uma vez que os países atualizarem seus protocolos de diagnóstico para oferecer teste molecular rápido para todos os pacientes de TB, esse tratamento deve ser completamente eliminado em conformidade com as recomendações da OMS. A pesquisa também destacou que nove países ainda exigem que pacientes de TB-DR sejam hospitalizados para tratar totalmente ou parte da sua doença.

“Nos projetos de MSF e fora deles, nós mostramos que hospitalizar pessoas com TB resistente a medicamentos não é necessário, e que elas podem receber tratamento em casa, mesmo em contextos de recursos limitados”, disse Vivian Cox, coordenadora médica adjunta de MSF na África do Sul. “Cuidados descentralizados para a TB resistente a medicamentos são mais econômicos em programas de tratamento e clinicamente são tão eficazes quanto os cuidados centralizados, e são muito, muito melhores para os pacientes, suas famílias e suas comunidades. Também sabemos que é fundamental que os médicos tenham acesso a todos os novos e já existentes medicamentos para TB, para que eles possam dar às pessoas a melhor chance de sobreviverem à TB resistente a medicamentos. Quando o acesso aos medicamentos necessários para combater a tuberculose é bloqueado, os resultados são, frequentemente, mortais.”

Apenas cerca de 12% dos países pesquisados têm todos os medicamentos existentes usados para tratar a TB resistente a medicamentos em suas listas nacionais de medicamentos essenciais. Embora 65% dos países pesquisados tenham um processo para ter acesso aos mais novos medicamentos contra a tuberculose para os pacientes que esgotaram outras opções de tratamento, é vital que as empresas farmacêuticas apresentem seus medicamentos para serem registrados nos países que mais necessitam deles, de modo que o uso de novos medicamentos em retratamentos de formas resistentes de TB possam ser ampliados.

“Como primeiro passo, todos os países com uma carga elevada de TB devem implementar diagnósticos rápidos, eliminar progressivamente o regime de retratamento obsoleto no decorrer de um ano, e acabar com a internação compulsória”, disse a Dra. Grania Brigden. “Precisamos que todos os países atualizem suas políticas e práticas nacionais para implementar plenamente as recomendações da OMS nos próximos três anos para realmente tratar a TB e acabar com as mortes relacionadas a ela.”

O Plano Global da Stop TB Partnership Para Acabar Com A TB de 2016 a 2020 visa alcançar as seguintes metas 90-90-90: 1. Identificar, pelo menos, 90% de todas as pessoas com TB na população que necessitam de tratamento e colocá-las em tratamento adequado (primeira linha, segunda linha, bem como terapia preventiva); 2. Como parte do esforço para chegar aos 90% de todas as pessoas com TB, fazer um esforço especial para atingir pelo menos 90% dos grupos populacionais significativos – os mais vulneráveis, carentes, populações de risco nos países; e 3. Atingir, pelo menos, 90% de sucesso no tratamento por meio de serviços de tratamento a preços acessíveis, incentivo à adesão e apoio social.

Regime de retratamento ‘Categoria II’: o regime de retratamento Categoria II tem sido tradicionalmente recomendado para todos os pacientes com histórico prévio de tratamento da TB. Um medicamento, estreptomicina, é adicionado ao padrão de medicamentos de primeira linha e o regime é estendido para oito meses. De acordo com as últimas orientações da OMS, o regime de retratamento com medicamentos de primeira linha é ineficaz contra a TB-MDR, e só deve ser considerado em áreas de baixo risco para a TB-MDR. Portanto, é fundamental detectar a TB-MDR prontamente para que um regime eficaz possa ser iniciado.

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