Sudão: refúgio no Nilo Branco

Para os que fogem do conflito no Sudão do Sul, o estado do Nilo Branco, no Sudão, se tornou o principal abrigo. Cuidados médicos essenciais são oferecidos por equipes de MSF aos refugiados na região

Sudão: refúgio no Nilo Branco

Nos últimos três anos, o estado do Alto Nilo, no Sudão do Sul, vem sendo palco de um conflito entre o governo do país e forças da oposição. A situação forçou milhares de famílias a fazerem uma escolha drástica – permanecer onde estavam e correr o risco de serem mortas ou partir e provavelmente ter sua propriedade roubada.

Do outro lado da fronteira, ao norte, encontra-se o estado do Nilo Branco, no Sudão, local mais pacífico para onde muitos sul-sudaneses decidiram fugir a fim de escapar da violência. Atualmente, seis campos de refugiados são o lar de 83 mil pessoas e muitas outras vivem foram desses campos.  

No início de 2016, a estação chuvosa gerou uma breve trégua nos conflitos no Sul, mas esse período acabou e as hostilidades voltaram a ocorrer. Famílias retomaram sua migração para encontrar segurança do outro lado da fronteira.    

Atualmente, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) mantém um hospital de 40 leitos no estado do Nilo Branco. A instalação se localiza do lado de fora do acampamento de Al Kashafa, onde mais de 17 mil refugiados foram autorizados a se estabelecer. Uma grande variedade de serviços é oferecida no ambulatório e na internação, sendo as queixas mais frequentes relativas a questões de saúde reprodutiva, infecções respiratórias ou de garganta e desnutrição.

Mary, uma refugiada proveniente de Kaka, no estado sul-sudanês do Alto Nilo, explica: “Quando os homens armados chegaram a Kaka, não mostraram compaixão alguma. Nem jovens nem idosos foram poupados. Quando escutamos que o massacre tinha começado, nem paramos para pensar, apenas corremos do nosso vilarejo levando conosco o que podíamos carregar e embarcamos na nossa jornada pavorosa. Para passar por algumas barreiras militares, tivemos de mentir sobre a tribo à qual pertencíamos, do contrário seríamos impedidos de prosseguir e o pior poderia acontecer. Temos sorte, já que milagrosamente ninguém foi ferido.”

Enquanto alguns refugiados chegam ao Nilo Branco em péssimo estado, sofrendo de problemas como desnutrição e malária, a maioria enfrenta bem a jornada, que pode durar até oito dias a pé.

A filha de quatro anos de Mary é paciente do hospital de MSF porque chegou à região desnutrida. “Ela ficou doente durante a viagem e parou de comer, teve diarreia e começou a tossir”, explica Mary. “Quando chegamos ao hospital, o médico disse que ela precisava de ajuda e a colocou em um programa especial de nutrição mantido por MSF. Espero que isso a faça se sentir forte novamente.”

De acordo com Mohamed, coordenador do projeto, “nossa maior preocupação é a condição de saneamento e higiene nos campos de refugiados. Milhares de pessoas vivem em grande proximidade e o número de banheiros e latrinas é insuficiente. As pessoas defecam abertamente próximo às suas barracas e as de seus vizinhos”.

 “Há um grande risco de que casos de sarampo ou diarreia aguda aquosa se espalhem pela comunidade. Crianças pequenas correm um risco maior, já que brincam com outras crianças em condições insalubres. O hospital está sempre preparado para lidar com o surto de uma doença, apesar de nossa capacidade limitada. A única solução para esse problema é melhorar as condições de saneamento”.

MSF está contribuindo para melhorar as condições sanitárias com a construção de latrinas em dois campos – Al Kashafa e Joury. Atividades de promoção de saúde também fazem parte do pacote oferecido por MSF, com o objetivo de incentivar comportamentos saudáveis.

O hospital também é um ponto de referência para outros campos de refugiados, e nele está o único centro de estabilização nutricional da região. Casos mais sérios são transferidos para o hospital de Kosti, que fica a 80 quilômetros de distância por uma estrada de areia na qual é difícil transitar.

O hospital de MSF não está sendo usado somente pelos recém-chegados. Quase metade das consultas é de pessoas locais que vivem fora do campo de Al Kashafa, entre elas a comunidade anfitriã sudanesa e refugiados de outros cinco acampamentos.  

Antes de MSF chegar, a comunidade local tinha pouquíssimas alternativas no que diz respeito a cuidados médicos, e o hospital da organização se tornou uma referência para a população.

As necessidades da comunidade local são evidentes. Elizabeth, do vilarejo de Alseror, explica por que foi ao hospital de MSF: “Durante semanas sofri com uma dor de cabeça muito forte e a garganta inflamada. Minha família queria que eu tomasse um medicamento tradicional. Era tudo que eles podiam me sugerir, mas eu sabia que não iria funcionar. Então vim ao hospital de MSF, onde o tratamento é gratuito e os médicos sabem o que estão fazendo”. 

Muitos dos refugiados que vivem nos campos se encontram em uma situação peculiar. Há poucos anos o Sudão e o Sudão do Sul eram um só país, e até recentemente as autoridades de Cartum (capital do Sudão) davam aos nascidos no Sul os mesmos direitos dos cidadãos sudaneses. Como a maioria dos refugiados tem parentes no Sudão (norte), entendem a cultura local e falam árabe, eles têm a opção de se mudar para cidades maiores no estado do Nilo Branco. Os que têm dinheiro e conexões familiares podem ir até Cartum, tentando começar uma nova vida.

Os refugiados que não têm essas conexões permanecem nos campos. Neles, ONGs oferecem educação básica às crianças, mas adultos não têm trabalho. Alguns batalham para conseguir uma pequena renda por meio da venda de peixes ou de trocas no mercado local. Outros encontram trabalho em fazendas. Isso permite que as famílias complementem suas rações de comida ou até economizem alguma coisa para conseguir uma vida melhor.

O destino desses refugiados sul-sudaneses depende, sem dúvida, da situação dos confrontos em seu país de origem. Se as coisas melhorarem, provavelmente muitos deles poderão voltar para casa. Por ora, esse pensamento é apenas um desejo.

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