Psicóloga fala sobre atuação de MSF em Santa Maria

Durante quatro dias, Letícia Nolasco esteve na cidade com Médicos Sem Fronteiras dando suporte aos serviços de saúde mental prestados à população afetada pela tragédia

Quase um mês após o incêndio em uma casa noturna que fez 239 vítimas em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, sobreviventes da tragédia e familiares e amigos das vítimas continuam batalhando por sua recuperação. Representantes da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) que deram suporte às equipes de profissionais voluntários e da rede pública do estado e do município encerraram atividades no local, oficialmente, no dia 31 de janeiro. A psicóloga Letícia Nolasco faz um balanço da experiência.
 
“Em MSF, tive duas experiências anteriores com desastres naturais, na Região Serrana do Rio de Janeiro e em Alagoas. Em Santa Maria, aconteceu o que chamamos de desastre humano. Fomos chamados pela Secretaria Estadual de Saúde para dar apoio ao desenvolvimento da estratégia de saúde mental que seria implementada para cuidar das pessoas, fossem elas sobreviventes, familiares e amigos das vítimas, envolvidos no resgate ou mesmo no cuidado durante velórios, enterros, isso tudo. Fiquei impressionada com a capacidade de reação da população: em menos de 24 horas, a maioria das vítimas já havia sido velada e enterrada de forma digna”, conta. Em pouco tempo, segundo ela, havia muitos voluntários dispostos a ajudar, mas poucos especialistas no trato com pessoas que vivem um desastre, como era o caso. Com base em um mapeamento da rede local, Letícia e Débora Noal, também psicóloga de MSF, auxiliaram na elaboração de uma estratégia que detalhou passo a passo desde o tipo de abordagem e formas de disponibilizar a ajuda até o monitoramento que deve ser feito da situação, das pessoas que estão cuidando e sendo cuidadas.
 
Ao todo, cerca de 250 profissionais foram treinados por MSF, entre voluntários de diversas partes do país, psicólogos do sistema de saúde local e multiplicadores, como professores das universidades. Para a organização, um dos aspectos de maior atenção na supervisão dos atendimentos em campo foi o cuidado no diagnóstico da saúde mental das pessoas. “Foi muito importante esclarecer que a população sofreria muito e que sintomas como insônia, dor no corpo, agitação e alteração do apetite são esperados em situações como aquela. É preciso cuidar para que a população não seja medicada inadequadamente, como se os casos fossem todos psiquiátricos. É preciso escutar as pessoas e monitorar os quadros”, explica Letícia. Ela conta ainda que foram estabelecidos plantões 24 horas e os psicólogos estavam uniformizados e presentes em enterros, velórios, atos públicos, hospitais, postos da SAMU, das Unidades de Pronto Atendimento (UPAS) e das universidades, todos dispostos a fazerem o que é chamado de escuta legítima, oferecendo o primeiro acolhimento com um olhar pragmático. Para Letícia, a população de Santa Maria deu sinais de que estava lidando com a situação de forma saudável: “Geralmente, em casos de desastres humanos, a gente busca incentivar os rituais que marcam a passagem, os atos públicos como velórios, enterros e coisas assim. Em Santa Maria, não foi preciso fazer esse incentivo, pois a própria população teve essa iniciativa. Com o tempo, vão precisar retomar o lazer e isso é algo que deve, também, ser monitorado.”
 
Letícia afirma ter deixado Santa Maria com a sensação de dever cumprido. Na última reunião com todos os secretários de saúde, quatro dias após a tragédia, representantes do município estavam engajados e envolvidos nas ações do Ministério da Saúde.
 
Médicos Sem Fronteiras, mais uma vez, expressa seus sentimentos a todas as pessoas afetadas pela tragédia.

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