“Nós não esperávamos viver essa vida na Europa”

Situação dos refugiados e imigrantes retidos na Grécia é caótica e desumana

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Mais de um mês depois da assinatura do acordo entre União Europeia (UE) e Turquia, a situação na Grécia permanece caótica e desumana. Em acampamentos e centros de detenção improvisados pelo país, cerca de 50 mil pessoas estão retidas em condições alarmantes. Em meio ao calor que se torna insuportável, muitas não conseguem acessar o sistema de asilo e estão rapidamente perdendo as esperanças de que conseguirão se juntar aos seus parentes ou encontrar um lugar para viver em paz.

As 10 mil pessoas encurraladas em Idomeni não devem pagar com a sua saúde pela má política europeia

Em Idomeni, depois do fechamento da rota pelos Bálcãs para o norte da Europa, milhares de pessoas estão encurraladas e expostas à violência da polícia fronteiriça ou de traficantes, e isso se reflete dentro do acampamento. Equipes da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) trataram bebês com cerca de seis semanas que foram expostos a gás lacrimogêneo e crianças de 10 anos feridas por balas de borracha. Equipes de MSF também estão lidando com as consequências de saúde da permanência por muito tempo em um acampamento que não dispõe de acomodação, cuidados médicos ou saneamento adequados.

Atualmente, MSF está colaborando com autoridades nacionais na condução de uma campanha de vacinação de crianças. “Algumas dessas crianças nasceram em solo europeu, outras estão fora de casa há meses, algumas por anos, e a maioria delas não recebeu todo o pacote de vacinação infantil de que necessitam”, disse Emmanuel Massart, coordenador-geral de MSF em Idomeni. “A Europa decidiu impedir milhares de pessoas de se movimentar pela Grécia, mas não criou um plano para o atendimento de suas necessidades básicas. Esta era uma crise totalmente previsível, causada pela negligência deliberada das instituições e dos governos europeus.”

Impotência e frustração somadas à tensão em Atenas

A situação não está nada melhor em Atenas onde, apesar da ajuda levada por voluntários e instituições de caridade locais, as condições básicas de vida não são atendidas. Impotência e frustração se somam à tensão entre os refugiados, que sentem que seus casos são classificados arbitrariamente de acordo com suas nacionalidades. “Disputas entre sírios e afegãos acontecem toda noite”, explica Mohammad, um refugiado sírio de Latakia, que chegou ao porto da cidade em meados de março. “A decisão de aceitar sírios e iraquianos como refugiados, mas não afegãos, não é nada justa, porque o sofrimento de muitos afegãos foi ainda pior do que o dos sírios. E é isso o que faz com que afegãos se aborreçam com os sírios”, diz ele.

No acampamento Elliniko há cerca de 4 mil refugiados, a maioria do Afeganistão, que iniciaram uma greve de fome no dia 10 de abril em protesto contra as condições de vida precárias no local. Policiais vão ao acampamento Piraeus várias vezes ao dia para convencer famílias a entrarem em ônibus e serem levadas a acampamentos mantidos pelo governo até que a documentação esteja pronta. Mas muitas se recusam, apesar do risco de serem despejadas.

Serviços oferecidos em acampamentos mantidos pelos militares estão longe do que é anunciado

Uma vez dentro dos acampamentos mantidos pelo governo, não é difícil entender por que as pessoas não querem ir para lá. Os serviços oferecidos ainda estão longe do que é anunciado em Piraeus. Perto da fronteira com a Albânia, na cidade de Ioannina, o acampamento militar Katsikas abriga 1.500 solicitantes de asilo, que passam seus dias no calor e as noites no frio. Eles dormem em tendas sem colchonetes e não têm nada além de lençóis para usar como uma barreira entre seus corpos e o chão rochoso, duro e frio. Um caminhão do exército grego vai ao acampamento duas vezes ao dia para distribuir alimentos e água, e as pessoas passam dias evitando cobras e escorpiões, enquanto fazem fogueiras para se aquecer e esterilizar a água, para evitar que seus filhos sofram de diarreia novamente.

“Talvez nós tenhamos sorte, porque não estamos encurralados nas ilhas, mas não estamos muito melhores do que eles. Nós também estamos encurralados aqui, neste lugar terrível, sem qualquer ideia de quanto tempo mais viveremos aqui e como iremos sobreviver”, disse Khaled, um yazidi dos montes Sinjar, no Curdistão iraquiano. “Nós não esperávamos viver assim na Europa, nós viemos até aqui para buscar segurança depois que o Estado Islâmico matou e sequestrou nosso povo, estuprou nossas mulheres, e nos exilou. O mundo inteiro estava assistindo à nossa tragédia, mas ninguém fez nada para nos ajudar!”     

As “ilhas-prisão” gregas

Nas costas das ilhas gregas, milhares de pessoas – a maioria fugiu das guerras na Síria, no Iraque e no Afeganistão – estão detidas atrás de cercas de arame farpado. Depois da implementação apressada do acordo entre União Europeia e Turquia, homens, mulheres e crianças estão presos sem acusação, muitos para além do período máximo de 25 dias, e em espaços pútridos, destinados a abrigar pessoas temporariamente, por apenas alguns dias.

“O acampamento em Samos está operando atualmente com quatro vezes mais pessoas do que sua capacidade, as condições são miseráveis e a tensão está no ponto de ruptura”, disse Julien Delozanne, coordenadora-geral de MSF em Samos. “Os que estão presos aqui recebem muito pouca informação, eles são incapazes de saber o que o futuro lhes reserva. Até onde sabemos, os menores não acompanhados e outras pessoas vulneráveis são excluídos do acordo entre UE e Turquia, e não serão enviados de volta para a Turquia, mas, ainda assim, eles estão detidos. O péssimo planejamento e os erros de gestão da Europa em Samos são inacreditáveis.”

Enquanto isso, em Lesbos, os que já passaram dos 25 dias de prisão sem ter tido seus pedidos de asilo processados – o máximo permitido pela lei europeia –  têm permissão para se movimentar pela ilha, mas são deixados sem praticamente nenhuma assistência. Famílias e menores de idade sem acompanhantes são separados dos homens adultos, mas muitas pessoas vulneráveis escapam pelas frestas, e as condições nos acampamentos continuam muito abaixo dos padrões aceitáveis. “Em todos os nossos projetos na Grécia estamos assistindo às consequências de políticas desumanas que deixaram milhares de pessoas ao léu, esquecidas, sem acesso a serviços básicos ou a informações”, disse Stefano Argenziano, coordenador de operações dos projetos de migração de MSF. “Os Estados europeus e as autoridades do continente decidiram fazer da dissuasão sua única prioridade e deixaram de prestar proteção e assistência para essas pessoas – apesar de sua responsabilidade moral e legal de fazer isso.”

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