MSF leva propostas urgentes à Conferência Internacional de Aids

MSF faz apelo para que comunidades negligenciadas recebam tratamento antirretroviral de qualidade

MSF leva propostas urgentes à Conferência Internacional de Aids

Na conferência que começa hoje em Durban, MSF reivindica plano abrangente e mobilização global para que comunidades negligenciadas recebam imediatamente tratamento de qualidade para HIV. Houve progresso significativo na África do Sul desde a primeira Conferência de Aids de Durban, em 2000, mas persistem em outros países lacunas letais e desnecessárias no tratamento do HIV.

A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) faz um apelo às autoridades e lideranças presentes na Conferência Internacional de Aids, que começou hoje em Durban, para que desenvolvam e implementem um plano de ação que responda à falta de acesso ao tratamento de HIV nos países da África Central e Ocidental, onde menos de 30% das pessoas que têm o vírus recebem tratamento.

Informações coletadas por MSF em seu trabalho na África do Sul indicam que implementar a política de “testar e tratar”[1] é possível, mas que ela precisa ser acompanhada por iniciativas nas comunidades, de modo que as pessoas façam o teste e tenham apoio, quando for o caso, para iniciar e manter o tratamento pela vida toda.

A situação atual em diversos países da África Ocidental e Central faz lembrar o apelo feito por MSF na Conferência de Durban em 2000. Naquele ano, a organização pediu a ampliação do acesso a antirretrovirais na África do Sul, onde atualmente mais pessoas têm vidas mais longas e saudáveis com o tratamento. Como constatamos, o apoio das comunidades e a existência de medicamentos a preços acessíveis são essenciais para garantir que as pessoas não abandonem a terapia antirretroviral. O fracasso em atingir a população de regiões negligenciadas coloca em risco as metas globais de fazer com que 30 milhões de pessoas estejam em tratamento até 2020 e de alcançar o objetivo 90-90-90 do Unaids[2].

No projeto de MSF na Suazilândia, dados colhidos em nove instalações de saúde no distrito rural de Nhlangano mostraram que, entre as pessoas que começaram o tratamento com a contagem de células CD4 acima de 500[3], 90% persistiam no tratamento seis meses depois. Em projeto de MSF na província de KwaZulu-Natal, na África do Sul, quando oferecido tratamento a pessoas com contagens mais altas das células CD4, mais de 80% delas continuavam em tratamento 12 meses depois, independentemente de terem começado o tratamento com a contagem de CD4 acima ou abaixo de 350. As taxas de início de tratamento se mantiveram estáveis para as pessoas com níveis de CD4 abaixo de 350. Esses resultados sugerem que os pacientes recém-elegíveis para o tratamento vão começar a usar medicamentos antirretrovirais e manter seu uso, se lhes for dada essa oportunidade, sem que o acesso ao tratamento para as pessoas mais doentes seja comprometido.

Contudo, realizar testes, oferecer tratamento e garantir a adesão em longo prazo não será possível sem a realização de atividades que tenham como objetivo testar as pessoas antes de elas adoecerem. As estratégias comunitárias de testagem implementadas por MSF em KwaZulu-Natal se mostraram particularmente efetivas em alcançar pessoas que vão fazer o teste pela primeira vez, incluindo estudantes, mulheres jovens, e homens jovens que possam não frequentar centros de saúde. O teste de porta em porta, oferecido por trabalhadores de saúde comunitária, alcança pessoas de todas as idades e pode ser mais barato que os testes realizados em centros de saúde. É importante notar que pessoas diagnosticadas em unidades móveis em 2015 apresentaram contagens médias de CD4 mais altas (462 células/mm³) do que aquelas diagnosticadas em centros de saúde (363 células/mm³).

“Funciona como um dominó, com uma comunidade inteira envolvida na testagem das pessoas no lugar em que elas vivem e trabalham, garantindo que aquelas que tiverem resultado positivo comecem o tratamento, e dando apoio e incentivo para que o tratamento seja mantido a vida inteira, com níveis suprimidos do vírus”, disse Musa Ndlovu, coordenadora adjunta de MSF em KwaZulu-Natal. “Os agentes comunitários de saúde nas comunidades e centros de saúde são o que mantém tudo ligado, melhorando tanto a qualidade do tratamento quanto o acesso a ele. Precisamos que os governos empreguem essas equipes de agentes comunitários de saúde, que elas sejam mantidas e ampliadas por toda a região, de modo que todos os que necessitam tenham acesso aos testes, à iniciação no tratamento e ao incentivo para prosseguir nele.”

Enquanto as políticas e práticas para empregar agentes comunitários de saúde variam consideravelmente, quando eles estão ausentes do sistema de saúde o impacto é substancial. Depois que agentes comunitários foram retirados das instalações de saúde na província de KwaZulu-Natal, em duas ocasiões em 2015, a média mensal de testes de HIV realizados nos centros médicos apoiados por MSF em Eshowe/Mbongolwane diminuiu 25% e 13%, respectivamente. O número de pessoas iniciando tratamento na região também caiu 20% em 2015.

A adoção de estratégias baseadas nas comunidades poderia ajudar a ampliar a cobertura do tratamento antirretroviral na África Central e Ocidental, onde apenas uma entre quatro pessoas, entre as 6,5 milhões que têm HIV na região, tem acesso a tratamento. Cerca de um terço das mortes relacionadas à Aids no mundo inteiro acontecem nessa região, e, para atingir a meta global de 30 milhões de pessoas em tratamento em 2020 – aprovada por todos os países-membros da ONU em junho –, cerca de 13 milhões de pessoas ainda precisam ter acesso ao tratamento, um terço das quais vive na África Central e Ocidental.

No hospital em que a equipe de MSF trabalha em Kinshasa, na República Democrática do Congo, um quarto das pessoas com HIV já chega doente demais para ser salva, com 39% delas morrendo nas primeiras 24 horas de hospitalização. Na República Centro-Africana, apesar de a prevalência nacional de HIV ser teoricamente inferior a 5%, 84% das mortes no hospital de Beberati, onde MSF trabalha, têm relação com HIV/Aids, enquanto no norte do país, em Ndele, Kabo e Batangafo, equipes de MSF reportam taxas positivas de 33% nos testes voluntários.

“A situação do HIV na África Central e Ocidental nos lembra dos dias terríveis, uma década atrás, no sul da África, quando as pessoas morriam e não havia tratamento disponível”, disse o dr. Eric Goemaere, coordenador de HIV e tuberculose de MSF no Sul da África. “Soluções para cobrir essa enorme lacuna nos tratamentos existem; nós precisamos de um impulso maciço na África Central e Ocidental se quisermos chegar perto de atingir as metas globais de tratamento. Se hoje há tantos milhões de pessoas recebendo tratamento, o direito a esses cuidados não deveria depender do lugar onde as pessoas vivem. Não podemos deixar essas pessoas para trás.”

 

MSF tem oferecido tratamento com medicamentos antirretrovirais para a população que vive com HIV/Aids desde o ano 2000. Atualmente, MSF dá suporte ao tratamento de HIV para aproximadamente 247.000 pessoas em 19 países.



[1] Na política de “testar e tratar”, as pessoas começam a receber tratamento antirretroviral assim que é detectada a presença do HIV, independentemente da carga viral. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda o tratamento para todas as pessoas com HIV, independentemente de carga viral, desde 2013. A Organização Mundial da Saúde faz a mesma recomendação desde 2015, mas a política ainda não foi implementada em muitos países, especialmente na África.

[2] O objetivo 90-90-90 do Unaids (Programa da ONU sobre HIV/Aids) determina que até 2020 90% das pessoas vivendo com o vírus conheçam sua situação, 90% delas estejam em tratamento antirretroviral e 90% das pessoas em tratamento não tenham o HIV detectado em seus exames de sangue.

[3] Quanto maior a presença de cédulas CD4, menor a presença do HIV no sangue.

 

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