Jordânia: uma nova vida para feridos de guerra iraquianos

O projeto de cirurgia reconstrutiva de MSF em Amã oferece cuidados médicos e psicológicos para feridas visíveis e invisíveis

Jordânia: uma nova vida para feridos de guerra iraquianos

Em um hospital de cirurgia reconstrutiva em Amã, na Jordânia, pacientes feridos de guerra do Iraque recebem tratamento para ferimentos complexos. O projeto foi estruturado pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em 2006 quando ficou claro que não havia cuidados desse tipo para vítimas da guerra no Iraque. Desde então, também são recebidos pacientes de Gaza, do Iêmen e da Síria.

Desde que o projeto foi inaugurado, MSF tratou aproximadamente 4.500 pacientes e realizou quase 10 mil cirurgias. Os iraquianos são o maior grupo de pacientes, tendo 2.442 pessoas sido encaminhados do Iraque desde o início do projeto.

O dr. Omar Adil Alani é o responsável pela transferência de pacientes da capital do Iraque, Bagdá, ao projeto em Amã. Ele trabalha no hospital de MSF desde o início de 2014.

“A necessidade de cirurgia reconstrutiva no Iraque é enorme devido ao conflito contínuo desde 2003 e a situação financeira que o nosso país está enfrentando”, diz o dr. Omar. “Embora possam receber cuidados primários para seus ferimentos, nossos pacientes não costumam ter acesso a procedimentos cirúrgicos especializados. Por meio desse projeto, MSF oferece cirurgia para tratar complicações que aparecem meses após a primeira intervenção – complicações difíceis de se prever no estágio inicial e que têm um impacto significativo na recuperação do paciente.”

O hospital em Amã oferece um pacote de cuidados abrangentes para seus pacientes, o que inclui fisioterapia e apoio psicológico além da cirurgia especializada. Os pacientes também recebem acomodação e assistência financeira para viajar até e a partir do hospital, assim como tratamentos posteriores, caso o plano de tratamento seja prolongado.

Identificando os pacientes em necessidade

Em Bagdá, o dr. Omar coordena uma equipe médica que identifica e encaminha pacientes do Iraque. “Essa equipe está em contato com nove hospitais em Bagdá que lidam com casos de trauma”, diz o Dr. Omar. “Nós também conseguimos chegar a outras partes do Iraque por meio de uma rede de médicos, dos Diretórios de Saúde, de escritórios de MSF e de outras organizações que estão presentes em campo e que buscam pessoas que precisam de cirurgia reconstrutiva.”

Os pacientes transferidos a Amã para tratamento incluem pessoas com lesões causadas por bombas e explosões. Alguns têm ossos que não estão apenas quebrados, mas completamente destroçados; outros apresentam queimaduras graves que cobrem grande parte do seu corpo; e outros ainda têm lesões faciais, que podem envolver danos graves à mandíbula inferior e superior, dificultando o ato de comer ou mesmo respirar. Muitos pacientes perderam a mobilidade em partes do corpo; alguns sofreram amputações. A maioria dos pacientes necessita de cirurgia reconstrutiva avançada, muitas vezes ao longo de muitos meses ou mesmo anos. Os critérios para encaminhamento são rigorosos: contemplam apenas aqueles pacientes cujas habilidades podem ser melhoradas com a cirurgia; a estética é considerada secundária.

Mudhafar Abdulwahid Khaleefa, 43, foi ferido quando homens armados invadiram o prédio onde ele trabalhava. Durante o ataque, ele caiu do terceiro andar e sofreu múltiplas fraturas em sua perna e quadril, bem como uma lesão na coluna vertebral. Ao longo do ano seguinte, ele foi submetido a sete cirurgias, mas as fraturas nos ossos não foram curadas.

“No fim, os médicos recomendaram amputação acima do joelho”, diz Mudhafar. “O osso na minha perna estava infeccionado e não iria se curar. Eu estava começando a me sentir muito mal emocionalmente. Em seguida, fui colocado em contato com MSF e, após uma avaliação médica, fui aceito para o tratamento no hospital em Amã. Ao longo de quatro meses, eles operaram minha perna várias vezes, primeiro para tratar a infecção e, em seguida, para restaurar progressivamente a funcionalidade da perna. Agora, não preciso mais de uma cadeira de rodas e posso andar com muletas.”

Muitos pacientes que chegam ao hospital de MSF em Amã já foram submetidos a várias cirurgias e cursos de antibióticos. Alguns desenvolvem resistência aos medicamentos, e estão sujeitos a ter seus membros amputados na tentativa de controlar a infecção. Em Amã, esses pacientes têm a possibilidade de tomar antibióticos de última linha para salvar o membro.
Tratar o ferimento não é suficiente

Após uma cirurgia bem-sucedida, os pacientes passam para fisioterapia e outros tipos de apoio. Todos os anos, a equipe do hospital realiza quase 2 mil sessões de fisioterapia, enquanto 22% dos pacientes recebem apoio de saúde mental. Suas feridas emocionais não são visíveis, mas muitas vezes são profundas, e podem ter um grande impacto sobre sua vida e sua capacidade de recuperação. A maioria dos pacientes tiveram experiências extremamente angustiantes e traumáticas, e suas vidas foram mudadas para sempre por seus ferimentos e a perda de entes queridos. “O apoio psicológico que recebi em Amã foi muito importante para a minha recuperação física”, diz Mudhafar.

O dr. Omar descreve outro paciente para quem o apoio de saúde mental oferecido pela equipe de MSF fez uma enorme diferença. “Uma mulher grávida que estava em uma rua em Bagdá quando um carro-bomba explodiu teve a maior parte de seu corpo gravemente queimado e perdeu seu bebê. Quando ela veio para o hospital, estava muito deprimida, tinha se divorciado do marido e queria cometer suicídio. Por causa das queimaduras em seu rosto, tinha dificuldade para falar e respirar. Ela já fez várias cirurgias em Amã e está se recuperando bem.”

Em Bagdá, o dr. Omar e sua equipe planejam expandir seu trabalho para que também estejam presentes permanentemente no Curdistão iraquiano, ampliando sua capacidade de encontrar pacientes cujas vidas poderiam ser transformadas pela cirurgia especializada.

“A situação aqui no Iraque é muito difícil e muitos pacientes que precisam de tratamento especializado não têm acesso a ele”, diz o dr. Omar. “Estou muito feliz por estar nesta posição, porque isso me permite ajudar os companheiros iraquianos. Ver um paciente que estava em uma cadeira de rodas há muito tempo voltar de Amã caminhando sozinho é uma sensação incrível.”

MSF atua continuamente no Iraque desde 2006. Para garantir sua independência, MSF não aceita recursos de nenhum governo, entidade religiosa ou agência internacional para seus programas no Iraque, e utiliza apenas doações privadas para realizar seu trabalho. A organização tem, atualmente, 900 profissionais no Iraque.

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