Bielorrússia: “Meus médicos disseram: Essa é a única chance”

Paciente de MSF em Minsk fala dos resultados positivos de novos medicamentos para tuberculose

Bielorrússia: “Meus médicos disseram: - Essa é a única chance”

Yury, de 38 anos, está comemorando um momento que ele nunca pensou que chegaria: ele foi curado de uma forma complicada de tuberculose (TB), uma doença infecciosa causada por uma micobactéria que normalmente ataca os pulmões. No entanto, a cura de Yury é também um marco para a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF): ele é o primeiro paciente a completar o programa de tratamento contra TB mantido por MSF na Bielorrússia, conduzido em cooperação com o Ministério da Saúde. O programa começou no verão de 2015, com as novos e revolucionários medicamentos de TB fornecidos por meio do programa de MSF endTB. Nessa época, Yury e seus médicos já estavam lutando contra a doença há dois anos, enfrentando a forma ultrarresistente a medicamentos de TB (TB-XDR). Tratar TB-XDR é um processo lento e difícil porque essa forma da doença é resistente a medicamentos de primeira e segunda linha.

Apesar de estar sentado sob o sol intenso, Yury não tira sua jaqueta. Ele explica: “Tenho medo de pegar um resfriado com alguma corrente de ar e isso seria algo estúpido…” Nossa conversa sobre sua recuperação se desenrola em meio ao som das vozes de crianças. Estamos sentados em um banco próximo à margem de um rio em um grande parque infantil no centro de Minsk. As crianças passam correndo e em patinetes, enquanto suas mães, em vestidos de verão, mal conseguem acompanhá-las. Yury diz que fez uma promessa de que, enquanto passasse por sua última chance de tratamento, cuidaria de sua saúde e não arriscaria o que ele chama de oportunidade de “sorte”.

Yury descobriu que estava doente em 2013. “Por alguma razão comecei a perder meu apetite e a me sentir fraco. Eu estava perdendo peso, as pessoas me diziam isso. Então, tive febre. Fui à policlínica porque pensei que era um resfriado comum. Fizeram um exame de raio-X e encontraram um pequeno buraco. Assim que recebi os resultados do raio-X do tórax, me perguntaram: ‘Você sabe o que você tem?’ Eu disse: ‘Como eu saberia?’ Então me disseram: ‘Você tem um caso suspeito de…’” Ele para de falar antes de terminar a frase. Isso porque, ao falar de TB, Yury raramente menciona o nome da doença. Quando perguntamos por que, ele diz que após descobrir o que era isso, ficou assustado demais até para mencionar a doença em público. Ele ficou em estado de pânico durante meses e com muito medo, mas não tanto por sua vida ou saúde, e sim por se preocupar com a reação dos outros.

 “Pensei que estava tudo acabado, que todos iriam se afastar de mim. É como dizem: eu seria como um leproso para os outros se eles soubessem. Eu estava escondendo isso há muito tempo quando fui admitido no hospital. Porém, não da minha família. Pelo contrário, contei a eles sobre minha situação. Então, eles também começaram a fazer exames, por via das dúvidas. Você nunca sabe… Mas dos outros, eu estava escondendo tudo”, ele afirma, de forma prática.

Após um ano de tratamento, os médicos descobriram que a primeira tentativa de tratamento havia fracassado. A TB de Yury era resistente aos medicamentos disponíveis na época. “Quando despejaram mais de 20 pílulas na minha frente, tudo escureceu ao meu redor. E, é claro: esses medicamentos fazem você se sentir mal. É uma dose muito alta de uma vez só. Você se sente enjoado, fraco. Deus me livre. Você se sente mal permanentemente. Não fui só eu que me senti assim: todo mundo. De manhã eles trazem medicamentos e então ninguém vê mais nada até a noite, porque todos ficam deitados nos leitos. Alguns levantavam para vomitar cedo, outros mais tarde”, continua Yury.

Muitas vezes parecia que a doença havia regredido e que os resultados dos exames voltariam a ser “limpos”. Porém, em poucos meses eles davam positivo para TB novamente. Quando ele estava começando a perder as esperanças, os médicos lhe falaram sobre um novo programa de tratamento de MSF. Yury concordou em ser admitido no programa de tratamento de MSF imediatamente.

 “Meus médicos disseram: ‘essa é a única chance’. Eu estava passando por um processo avançado, com cavidades pulmonares crescentes. Estava ficando cada vez pior. Eu tinha resistência aos medicamentos. Me diziam que medicamentos já existentes não iriam ajudar”, lembra Yury. “Então, foi de imediato: em dois dias me submeteram a um sistema de implante intravenoso e o tratamento começou. Imipenem, bedaquilina, alguns outros medicamentos e pronto. Eu comecei a melhorar imediatamente. Eu não me sentia melhor, não tinha apetite, mas os exames de raio-X deixaram todos surpresos! Eles disseram: ‘Isso é fantástico! Você tem uma ótima dinâmica’. Excelente dinâmica. Em outubro, eu já tinha resultados saudáveis. Tudo era novo. Todos estavam surpresos – enfermeiros, médicos. E, é claro, eles me diziam para nem pensar em pular etapas do tratamento, que devo continuá-lo”, adiciona ele.

O dr. Mikhail Khmyz, de MSF, diz que o programa da organização tem como objetivo atender pacientes com formas mais desafiadoras da doença. “Os primeiros pacientes que admitimos eram pessoas em tratamento paliativo. Isso significa que elas estavam recebendo tratamento para aliviar os sintomas, mas não contra a TB”. Isso acontece quando o paciente já sofreu repetidas falhas no tratamento e a linhagem da infecção é resistente aos medicamentos disponíveis. A última esperança para esses pacientes são a bedaquilina e a delamanida, os dois primeiros novos medicamentos para TB desenvolvidos em cerca de 50 anos.

Desde meados de 2015, o Ministério da Saúde da Bielorrússia tem esses novos medicamentos à sua disposição, graças a um financiamento concedido pelo Fundo Global. Porém, a quantidade não é suficiente para atender às necessidades de todos que precisam de tratamento, o que significa que os médicos fazem uma série de escolhas difíceis. Um dos fatores decisivos é a adesão ao tratamento em estágios iniciais da doença, mas na Bielorrússia há um fator principal de risco para essa adesão, de acordo com uma pesquisa de MSF conduzida em 2016: distúrbios associados ao consumo de álcool.

 “Uma grande barreira na adesão ao tratamento de TB é o distúrbio associado ao consumo de álcool.. O Ministério da Saúde da Bielorrússia está ciente disso e manifestou sua vontade de trabalhar com MSF nesse contexto. Agora estamos no processo de negociar os detalhes de uma abordagem que possibilite os pacientes que sofrem desse tipo de distúrbio de ter bons resultados no tratamento”, afirma o dr. Parvati Nair, coordenador de atividades médicas de MSF no país.
Na Bielorrússia, MSF trabalha juntamente ao Ministério da Saúde para melhorar os resultados de pacientes que vivem com TB resistente ou ultrarresistente a medicamentos, além de ajudá-los a continuar no tratamento, sem interrupções. Garantir um serviço de assistência de saúde mental aos pacientes é uma parte importante da etapa final desse objetivo. Assessores e assistentes sociais de MSF são treinados e designados a oferecer apoio psicossocial a cada um dos pacientes.

 “Vejo o trabalho do assistente, e é assim que ele vê o seu trabalho também, não só como um meio de ajudar os pacientes, mas também de motivá-los”, diz o dr. Khmyz. “Atualmente, para a fase ambulatorial, temos um hospital diurno frequentado principalmente por pacientes que recebem o medicamento injetável Imipenem, duas vezes ao dia – uma de manhã e uma à noite. Minsk é uma cidade grande, é difícil vir ao hospital duas vezes por dia se você é de outra parte da cidade”, reconhece o dr. Khmyz.

No entanto, não são só novos tratamentos e medicamentos que estão dando esperanças aos pacientes de TB: novas tecnologias também fazem parte disso. Para alguns pacientes na Bielorrússia que não fazem tratamentos que precisam de injeções, um novo aplicativo está tornando seu tratamento, que pode durar até 24 meses ou mais, mais fácil. O projeto piloto tem como objetivo reduzir as perturbações nas vidas dos pacientes garantindo que eles não precisem fazer muitas viagens ao hospital para tomar os medicamentos. O paciente recebe uma quantidade de comprimidos suficiente para vários dias antecipadamente e os médicos o ajudam a ingerir as pílulas por um aplicativo instalado no celular do paciente, que requer uma chamada por vídeo toda vez que o paciente for tomar o medicamento. Até agora, essa opção de tratamento serve somente para estágios iniciais da doença, mas espera-se que leve a um plano mais flexível de tratamento para mais pacientes.

“Você certamente se cansa depois de dois anos. Mas o que podemos fazer? Graças a Deus o tratamento ajudou. Se não fosse por esse programa, não estaríamos conversando aqui e agora”, diz Yury. Ele está obviamente acostumado a esse pensamento e a essa frase. Para pacientes como Yury, que saíram de não ter mais opções médicas para a cura, uma combinação de tecnologias e medicamentos simboliza um tratamento mais efetivo e, em alguns casos, a diferença entre a vida e a morte.
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No relatório sobre tuberculose feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016, a Bielorrússia é listada como um dos países com maiores índices de TB multirresistente a medicamentos. MSF está apoiando o Ministério da Saúde em quatro instalações de TB a fim de avaliar esses altos índices: o Centro Científico e Republicano de Pneumologia e Tuberculose (RSPC PT, na sigla em inglês), o primeiro e o segundo dispensários de TB da cidade de Minks, e o hospital de TB da cidade de Volkovichi, na região de Minsk. A cada mês, cerca de 70 a 75 pacientes recebem apoio psicossocial (aconselhamento, porções de alimento, vouchers de transporte, suporte de assistentes sociais) para ajudá-los a continuar o tratamento. Até agora, MSF ofereceu tratamento a cerca de 60 pacientes com os novos medicamentos fornecidos pelo projeto endTB. Em atuação em 15 países, o projeto é uma parceria entre MSF, a Partners in Health, a Interactive Research and Development e a doadora UNITAID, com objetivo de encontrar tratamentos de TB que sejam mais eficazes e menos tóxicos. Você pode conhecer mais sobre o programa em endTB.org.
 

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