Batalhas no Iraque não deveriam ofuscar necessidades humanitárias graves

Por Fabio Forgione, coordenador-geral de Médicos Sem Fronteiras no Iraque

Batalhas no Iraque não deveriam ofuscar necessidades humanitárias graves

À medida que as forças de segurança iraquianas lutam para retomar Fallujah, na província ocidental de Anbar, do grupo Estado Islâmico (EI), as necessidades humanitárias neste mais novo foco de crise e no restante do país são cada vez maiores. Cada vez mais, as campanhas militares de grande escala, bem como fatores políticos, estão ofuscando as necessidades humanitárias urgentes de milhões de pessoas no Iraque. 

Em Fallujah, 50 mil pessoas continuam encurraladas na cidade e já estariam sofrendo com uma grave escassez de alimentos, água e suprimentos médicos. Algumas delas deixam todos os seus pertences para trás e se submetem a perigosas jornadas sob a mira de franco-atiradores ou fazem uso de meios rudimentares para atravessar o rio Eufrates e fugir da violência.

Essas jornadas arriscadas a fim evitar campos de batalha ativos nos arredores da cidade podem durar dias. Relatos de pessoas que são mortas a tiro enquanto tentam chegar a locais mais seguros são frequentes. Aquelas que conseguem fugir, na maioria das vezes acabam em acampamentos para deslocados internos e tendas improvisadas superlotados.

Cenas como essas, infelizmente, se tornaram a normalidade absoluta no Iraque ao longo dos últimos dois anos, e as consequências sobre a população são devastadoras. Além de décadas de sucessivos conflitos, da instabilidade política interna e da grave crise econômica que têm corroído a frágil infraestrutura iraquiana e deixado os serviços em ruínas, a guerra na vizinha Síria está exacerbando ainda mais a crise humanitária no país.

A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) está trabalhando em 11 províncias no Iraque, oferecendo cuidados básicos de saúde, apoio à saúde mental e apoiando a preparação para responder a emergências às populações mais vulneráveis, em regiões onde a situação de segurança é volátil próximo a frentes de batalha.

Em junho de 2014, o EI tomou a segunda maior cidade iraquiana, Mosul, e Tikrit, abruptamente forçando mais de 1 milhão de iraquianos a fugir de suas casas. Exatos dois anos depois, mais de 3,2 milhões de iraquianos continuam internamente deslocados, causando uma tensão cada vez maior sobre comunidades locais que já enfrentam necessidades. Ao todo, 8 milhões de pessoas no Iraque estão em extrema necessidade de assistência humanitária. Espera-se que esses números alarmantes continuem aumentando, uma vez que não há perspectiva de fim para o conflito armado no Iraque.

Campanhas militares seguem incessantes em diversas partes do país, causando destruição massiva. O acesso a serviços se tornou um grande desafio para comunidades inteiras, tanto locais quanto de deslocados internos. As cicatrizes do conflito estão evidentemente e progressivamente afetando toda a sociedade iraquiana. O sofrimento humano é imenso.

Deploravelmente, a crise humanitária no Iraque tem sido altamente negligenciada enquanto objetivos políticos prevalecem e operações militares continuam em pleno vigor. A assistência humanitária prestada até o momento é completamente insuficiente se comparada à magnitude das necessidades em campo.

Em diversas partes do país, a infraestrutura básica e instalações médicas têm sido gravemente danificadas pela guerra, quase não há água potável disponível e as condições de saneamento são extremamente precárias. Essa situação expõe continuamente a população a riscos elevados de epidemias, como a de cólera, que eclodiu em novembro de 2015 devido às condições de higiene precárias e ao sistema inadequado de água e esgoto.

O desequilíbrio

No entanto, o desequilíbrio entre o que é financeiramente investido para sustentar as operações militares e o que é alocado para financiar a assistência humanitária necessária é alarmante. Os esforços parecem estar concentrados unicamente em batalhas e na necessidade de esmagar o EI. Isso não leva em conta a necessidade de assegurar que as populações iraquianas estejam devidamente assistidas, seus sofrimentos aliviados e, consequentemente e finalmente, a sociedade unificada. Um Iraque cada vez mais fragmentado está, portanto, sendo criado.

A resposta à emergência humanitária no Iraque deve ser priorizada. As pessoas em necessidade não têm necessariamente livre acesso aos serviços. Milhares de famílias deslocadas estão espalhadas por todo o país, muito próximo a frentes de batalha, em assentamentos informais isolados e obrigadas a passar por pontos de controle de segurança rigorosos para conseguir obter a ajuda tão necessária.

Isso representa um obstáculo significativo para o acesso a cuidados de saúde: mulheres grávidas não se sentem confortáveis para ir a centros de saúde primária para fazer acompanhamento pré-natal ou ir a um hospital na hora do parto; pacientes com alguma condição crônica não querem sair para receber seus medicamentos mensais.

A assistência humanitária urgentemente necessária deve ser ofertada proporcionalmente à magnitude das operações militares. Está cada vez mais insustentável para agentes humanitários responderem por si só às necessidades crescentes geradas pelas campanhas militares em curso.

Os recursos e os meios existentes simplesmente não são suficientes. Embora os esforços humanitários atuais sejam orientados para cobrir as necessidades mais prementes das famílias deslocadas de Fallujah, é imperativo certificar-se de que a assistência básica esteja sendo prestada o suficiente a outros milhões de pessoas em necessidade, igualmente vulneráveis, em outras partes do país.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print