Sem esperança de voltar para casa tão cedo

Violência ainda mantém população em acampamentos em condições deploráveis na República Centro-Africana

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Um sentimento de calma, mas com ar de nervosismo, prevalece na medida em que a República Centro-Africana (RCA) aguarda a última rodada das eleições presidenciais que acontecerão no início de fevereiro. O ressurgimento de surtos de violência intercomunal desde setembro de 2015 está deixando a população no limite, com muitos temendo a eclosão de tensões a qualquer momento. A situação de segurança cada vez pior também se abateu sobre as esperanças de 450 mil deslocados internos – e um número semelhante de refugiados que escaparam para países vizinhos – de voltar para casa em breve.

Na capital Bangui, mais de 30 mil pessoas se refugiaram em acampamentos improvisados superlotados e em más condições de higiene pela cidade, ou em igrejas e escolas. Para possibilitar o acesso a cuidados de saúde gratuitos e de qualidade a essa população vulnerável, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) está oferecendo cuidados e administrando clínicas móveis em cinco acampamentos ao redor de Bangui. MSF também mantém um hospital e uma maternidade em Mpoko, e oferece cuidados médicos uma vez por semana na mesquita central do enclave muçulmano de PK5.

Muitas pessoas dos acampamentos testemunharam cenas chocantes de violência e tiveram suas casas saqueadas. Lucienne, uma mulher em seus 40 anos, fugiu de casa há dois anos quando quatro de seus vizinhos foram mortos durante um surto de violência. Desde então, ela tem buscado segurança em Mpoko junto a sua família. “A vida é muito difícil no acampamento. É insegura, suja e há moscas por todos os lados”, diz ela, na medida em que ajuda sua filha, que está doente, a marcar uma consulta no hospital de MSF no acampamento.  

No campo de Benzvi, localizado em uma parte de Bangui que tem enfrentado menos violência, cerca de 2 mil pessoas buscaram refúgio. Muitas delas tiveram de fugir de suas casas com poucos ou nenhum pertence, e estão dormindo em tendas improvisadas ou ao relento. Para ter o que comer, muitos dependem de pequenos pedaços de terra para o cultivo.

MSF vai a Benzvi duas vezes por semana para oferecer cuidados médicos. Em um dia comum, cerca de 150 pacientes são atendidos; a maioria está em busca de cuidados para doenças como malária, infecções respiratórias e diarreia – muitas das quais são resultado das condições deploráveis no acampamento. A fim de garantir que os moradores do acampamento tenham acesso à água potável, MSF administra, em colaboração com organizações parceiras, uma estação de bombeamento e purificação de água, que distribui água purificada para Benzvi e outros acampamentos, caso haja pane no abastecimento de água da cidade.

Ethna e Nadege têm vivido em Benzvi após suas casas no distrito de PK5 terem sido atacadas por grupos armados. Elas são amigas há anos, e ambas são mães solteiras com várias crianças para alimentar. Seus filhos pegaram malária diversas vezes desde que se mudaram para Benzvi, mas têm recebido tratamento gratuito na clínica móvel de MSF. Para sobreviver, Ethna e Nadege fazem bolos e os vendem na rua: “Nós só conseguimos alimentos para nós e nossos filhos para uma refeição por dia”, diz Ethna.  

“Durante o dia, muitas pessoas voltam ao bairro onde viviam, mas elas têm muito medo de ficar ali à noite, então dormem aqui nos acampamentos”, diz Reims Pali, que trabalha como coordenador-geral adjunto de MSF. De origem centro-africana, ele testemunhou a situação no país mergulhar em ainda mais caos nos últimos dois anos: “Em comparação aos abusos, mortes, roubos e saques que as pessoas testemunharam em seus bairros, elas se sentem relativamente seguras aqui. Mas as condições de vida nesses locais são muito difíceis. Elas vivem em tendas construídas de lonas que foram jogadas no lixo, que estão cheias de buracos. Elas dormem em tapetes no chão e estão expostas a mosquitos que podem transmitir malária. A menos que a situação de segurança melhore, elas terão de ficar aqui nesses acampamentos”, acrescenta ele.

MSF atua na RCA desde 1997. Atualmente, a organização conta com 300 profissionais internacionais e mais de 2 mil centro-africanos espalhados pelo país. Além de suas atividades em Bangui (que abrangem clínicas móveis para deslocados internos, cirurgias emergenciais no Hospital Geral e cuidados maternos na maternidade Castor), MSF atua em 15 locais do país, e também presta assistência a refugiados centro-africanos nos países vizinhos Chade, Camarões e República Democrática do Congo (RDC).

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