Níger: escassez de vacinas atrasa luta contra meningite

Especialista em vacinação de MSF fala sobre avanços e falhas na resposta ao surto da doença

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Mais de 6 mil casos suspeitos e 443 mortes por meningite foram registrados no Níger nos últimos três meses. Mas uma escassez de vacinas tem dificultado a implementação a tempo de uma campanha de vacinação.

A Dra. Pauline Lechevalier, uma especialista em vacinação da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), discute os recentes avanços na resposta à epidemia de meningite e reflete sobre as melhorias que ainda são necessárias.

Três meses após o início da epidemia de meningite no Níger, ainda há dificuldades na implementação da campanha de vacinação. Por quê?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que campanhas de vacinação sejam implementadas em resposta a epidemias. O limite para a declaração de uma epidemia é quando há dez casos por 100 mil habitantes registrados em uma semana. Os primeiros distritos no Níger afetados pela epidemia ultrapassaram essa marca em meados de fevereiro. Desde então, a resposta de vacinação foi limitada à capital Niamey e a dois distritos da região de Dosso, envolvendo um total de cerca de 500 mil doses de vacina. Até 15 de maio, outros 11 distritos de saúde tinham alcançado esse limite de epidemia, mas a campanha de vacinação não chegou até eles.

Existem várias razões que justificam o atraso na resposta à vacinação. Em primeiro lugar, a magnitude da epidemia pegou a todos de surpresa porque desde a introdução da vacina meningocócica A, em 2010, o Níger estava livre de epidemias dessa escala. Assim, o mecanismo internacional de fornecimento de vacinas não estava preparado para responder a uma epidemia como esta, o que explica um pouco do atraso inicial. Enquanto isso, o estoque global de emergência de vacinas havia sido esgotado no fim de abril, em grande parte por causa de outra epidemia na Nigéria e do cancelamento da entrega por um dos fabricantes da vacina. Portanto, tornou-se urgente encontrar fontes alternativas para centenas de milhares de doses adicionais da vacina. Espera-se que elas estejam disponíveis nos próximos dias.

Pensou-se que o problema da meningite havia sido resolvido com o desenvolvimento de uma nova vacina. Você pode nos contar sobre ela?
A vacina MenAfriVac, que tem sido introduzida progressivamente em toda a África Subsaariana desde 2010, foi, até agora, administrada a mais de 200 milhões de pessoas no “cinturão da meningite” (áreas epidêmicas e hiperendêmicas), que vai do Senegal até a Etiópia. Ela é muito eficaz contra a meningite devido ao sorogrupo ou cepa meningocócica A. Um estudo no Chade em 2012, por exemplo, mostrou uma diminuição de 94% nos casos de meningite A em três regiões onde a vacina foi introduzida. Além disso, essa vacina conjugada reduziu a transmissão por secreção nasofaríngea, em outras palavras, a transmissão da doença de pessoa para pessoa, em 98%.

A introdução da vacina MenAfriVac tem ajudado a interromper o ciclo mortal da epidemia da meningocócica A na região, mas surtos em menor escala, causados por outras cepas – particularmente as cepas W135 e a C – continuam sendo registrados. A atual epidemia no Níger, que é uma extensão da epidemia no país vizinho Nigéria, é a primeira grande epidemia do meningococo C já registrada no país.

Quais vacinas podem ser utilizadas contra a meningite?
Para vacinar contra o meningococo C, há vacinas polissacarídicas, que podem cobrir diversos sorogrupos em combinações (A/C, A/C/W135 e A/C/W135/Y). Infelizmente, elas só oferecem proteção por um período de três anos. Além disso, não são recomendadas para crianças com menos de dois anos.

Também há vacinas conjugadas que protegem contra os sorogrupos A, C, W135 e Y, que oferecem proteção por pelo menos 10 anos, são eficazes em crianças pequenas e também reduzem a transmissão por secreções nasofaríngeas (ou transmissão). Mas o alto custo dessa vacina – 22 euros por dose – significa que ela é muito cara para ser usada em campanhas de larga escala.

Você pode descrever o sistema global fornecimento de vacinas contra a meningite?
Um sistema de fornecimento e estoque global de vacina foi criado em 1997 após a maior epidemia de meningite já registrada, que resultou em 250 mil casos e 25 mil mortes na África Ocidental de 1995 a 1996. O Grupo de Coordenação Internacional de Fornecimento de Vacina (ICG, na sigla em inglês) – composto por representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Federação Internacional da Cruz Vermelha, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e de Médicos Sem Fronteiras – está encarregado de garantir a disponibilidade e a utilização eficiente de vacinas em respostas a epidemias de meningite. Assim, o ICG é um mecanismo concebido para gerir a escassez: representantes do grupo decidem sobre a distribuição de vacinas, com base em avaliações das prioridades e em dados epidemiológicos recolhidos de áreas afetadas. Esse papel de arbitragem é essencial durante uma epidemia, já que pode haver pressões significativas sobre as autoridades locais de saúde. Este ano, o ICG esperava ter em estoque 1,5 milhão de doses da vacina contra a meningite, mas, na verdade, apenas 800 mil doses estavam disponíveis no começo do ano. Dessas, 310 mil foram usadas na Nigéria.

Como podemos evitar novas epidemias deste tipo no futuro?
A vacinação é apenas um elemento necessário para a prevenção e o controle de epidemias. Os outros elementos são: detecção e confirmação rápida de casos suspeitos; recolhimento e compartilhamento rápidos de informações; e gestão adequada de casos confirmados. Por enquanto, ainda estamos longe de conseguir vacinar pessoas contra todas as cepas da doença. Seja na resposta a epidemias, ou na implementação de campanhas preventivas, precisamos de vacinas conjugadas contra os sorogrupos A, C, W135 e Y, que são acessíveis e disponíveis em quantidades suficientes.

A experiência com a vacina MenAfriVac é um bom modelo a seguir no futuro. Essa vacina conjugada foi projetada e desenvolvida para uso na África Subsaariana e oferece longa proteção contra a meningocócica A. Ela também protege crianças pequenas, pode ser mantida fora de uma cadeia de frio e custa apenas 50 centavos de euro.

Qual é a resposta de Médicos Sem Fronteiras à epidemia?
No fim de abril, vacinamos aproximadamente 70 mil pessoas com idade entre dois e 15 anos em dois distritos da região de Dosso, cerca de 200 km ao leste de Niamey, usando a vacina polissacarídica A/C/W135. Já que estamos, atualmente, incapacitados de vacinar de maneira mais ampla, estamos fortalecendo nosso suporte a centros de saúde para atender aqueles que já estão doentes: 3.800 pessoas foram tratadas nos centros que MSF apoia. Se as doses extras das vacinas chegarem rapidamente, nós avaliaremos a possibilidade de ajudar as autoridades a vacinar em outros distritos, priorizando as áreas mais afetadas.

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