Médicos Sem Fronteiras lança estudo inédito sobre políticas de tratamento de HIV em 23 países

Em outro relatório, lançado simultaneamente, organização apresenta modelos comunitários de tratamento em quatro países

Um estudo pioneiro divulgado hoje pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) mapeia o progresso, em 23 países, de estratégias, ferramentas e políticas de tratamento de HIV necessárias para o aumento da oferta de tratamento. Os resultados mostram que os governos conseguiram melhorar a qualidade da terapia antirretroviral (TARV) para um número maior de pessoas, mas o progresso da implementação de estratégias comunitárias inovadoras ainda é lento em alguns países.  

O estudo, realizado em colaboração com a Unaids, levou em consideração 25 indicadores em cada país. Estes indicadores vão da cobertura de TARV e a prevenção da transmissão de mãe para filho (PMTCT, na sigla em inglês), passando pela possibilidade de enfermeiras – no lugar de médicos – iniciarem o tratamento de HIV e TB para os pacientes, algo que é essencial para aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde e levar mais tratamento para as comunidades, até a quantidade de instalações que oferecem a terapia em cada país.

“O que nós estamos vendo é que os governos estão trabalhando para oferecer melhores medicamentos para a população, e para oferecer o tratamento em locais mais perto da casa das pessoas em tratamento, para que mais pessoas possam se beneficiar”, disse Sharonann Lynch, especialista de políticas de HIV para a Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais (CAME) de MSF. “Mas ainda há muito a fazer. Mais países precisam mudar suas políticas no sentido de permitir que enfermeiros também possam iniciar o tratamento para as pessoas que precisam, e que outros profissionais de saúde possam monitorar o tratamento, para que ele possa ser oferecido em cada clínica, em cada aldeia, em cada país que luta contra o HIV.”

As principais conclusões do estudo incluem:

• Apenas onze dos 23 países alcançaram uma taxa de cobertura de tratamento ARV de 60% ou mais, enquanto seis ainda alcançam apenas um terço das pessoas que precisam.
• Seis países têm uma taxa de cobertura de PMTCT maior que 80%, enquanto oito ainda apresentam valores menores que 50% – e em cinco destes, a taxa é menor que 30%.
• Apenas oito dos 20 países que disponibilizaram informações oferecem tratamento ARV em 30% ou mais de suas instalações médicas; em países como Lesoto, Malaui e África do Sul, onde 60% das instalações oferecem TARV, a cobertura de tratamento é maior, superior a 50%.
• Dos 18 países da África subsaariana analisados, 11 permitem que enfermeiros iniciem a oferta de TARV para os pacientes, sendo que Quênia, Uganda, Suazilândia, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue mudaram suas políticas neste sentido nos últimos dois anos. De todos os 23 países, Moçambique, a maior prevalência de HIV entre os países pesquisados, e que ainda não permite que profissionais de enfermagem administrem ART para os pacientes.
• Além disso, todos os países pesquisados já tinham adotado as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de oferecer antirretrovirais com menor taxa de rejeição e de iniciar a TARVcom o nível de contagem de células CD4 em 350, apesar de que em alguns países esse processo estava prejudicado devido a déficits no financiamento.
• Dos 23 países analisados, apenas quatro garantem o acesso ao monitoramento da carga viral.

“Uma das nossas maiores questões que colocamos nesta conferência diz respeito à viabilidade de aumentar o número de pessoas recebendo tratamento para começarmos a reverter a epidemia”, disse o Dr. Tom Decroo, de MSF em Moçambique. “Fala-se muito sobre eficiência nesta conferência, mas nós precisamos garantir que, o foco continue sendo as pessoas que vivem com HIV. Levar a oferta de tratamento a níveis locais é unir os interesses dos pacientes com os dos sistema de saúde. Nós estamos mostrando que podemos levar o ART para além dos hospitais, mantendo as pessoas com saúde ao mesmo tempo em que facilitamos a vida dos pacientes e aliviamos a pressão sobre os sistemas de saúde. Estamos começando a adotar uma abordagem muito parecida com a realizada para doenças crônicas em países desenvolvidos”.

MSF implementou modelos de tratamento que fazem com que as pessoas se sintam responsáveis pelo seu tratamento, como em Tete, Moçambique, onde vizinhos se reúnem em grupos de seis e se revezam para buscar medicamentos para todos do grupo; ou “clubes de adesão em Khayelitsha, por meio dos quais os pacientes estáveis recebem aconselhamento em grupos de 20, de modo que todos podem fazer o acompanhamento necessário em menos de duas horas; ou como na República Democrática do Congo, onde as pessoas que vivem com HIV realizam a distribuição de medicamentos diretamente na comunidade. Esses modelos estão todos descritos no novo relatório de MSF e da Unaids, Closer To Home (Mais perto de casa).

Melhores ferramentas para se antecipar a futuras infecções também são essenciais. Todos os países da pesquisa mudaram suas políticas para oferecer melhores medicamentos antirretrovirais, ainda que sua implementação dependa da disponibilidade de recursos. Mas apenas quatro dos países na pesquisa tem acesso a testes de carga viral, essenciais para o monitoramento do tratamento e parte da rotina em países em desenvolvimento.  

“Eu sou uma das oito milhões de pessoas vivendo com HIV que têm acesso a tratamento”, disse Charles Sako, que trabalha na clínica de MSF nos arredores de Nairóbi, Quênia. “Mas para cada pessoa como eu, há outra que não recebe os medicamentos de que precisa para sobreviver. Não podemos descansar. Temos que incentivar os governos a implementar as melhores estratégias, ferramentas e políticas para levar tratamento ao máximo de pessoas possível, o quanto antes. E precisamos fazer um apelo a todos os doadores, para que continuem apoiando esse esforço global.”

Atualmente, MSF oferece tratamento de HIV para 220 mil pessoas em 23 países.

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